Cazuza trouxe o termo
ideologia para a música pop.
Nas ciências sociais, filosofia e áreas
afins, o termo ideologia é empregado com muita freqüência. Em uma de suas
canções, o músico e letrista brasileiro Cazuza fez uma crítica sagaz à ausência
de uma ideologia para seguir nos tempos atuais.
O verso de Cazuza - "Ideologia. Eu quero
uma pra viver" pode ser nosso ponto de partida para perguntar: mas afinal,
qual é o significado desse termo e como ele surgiu?
O conceito ideologia foi criado pelo francês
Antoine Louis Claude Destutt de Tracy (1754-1836). Este filósofo o empregou
pela primeira vez em seu livro "Elementos de Ideologia", de 1801.
para designar o "estudo científico das idéias".
Destutt de Tracy usou alguns métodos e
teorias das ciências naturais (física e biologia basicamente) para compreender
a origem e a formação das idéias (razão, vontade, percepção, moral, entre
outras) a partir da observação do indivíduo em interação com o meio ambiente.
Novos significados de ideologia
Nas décadas seguintes à publicação do livro
de Destutt de Tracy, o termo ideologia foi utilizado com outros significados.
Ele também reaparece de maneira recorrente nos estudos dos filósofos e
pensadores que fundaram a sociologia.
O francês Auguste Comte, criador da doutrina positivista,
compartilha da definição de Destutt de Tracy: a ideologia é uma atividade
filosófico-científica que estuda a formação das idéias a partir da observação
do homem no seu meio ambiente.
Por outro lado, o sociólogo francês Émile
Durkheim usa o termo de maneira distinta. Para Durkheim, os fatos sociais são
considerados objetos únicos de estudo da sociologia. Na perspectiva
durkheimiana, as idéias e valores individuais (ou seja, a ideologia) são
irrelevantes porque os fatos sociais são manifestações externas, isto é, estão
fora e acima das mentes de cada sujeito que integra a sociedade.
Portanto, para Durkheim, a ideologia é
negativa porque nasce de uma noção "pré-científica" e, por isso
mesmo, imprópria para o estudo objetivo da realidade social.
A ideologia segundo Marx
A referência ao pensador e filósofo alemão Karl
Marx, é muito importante para qualquer estudo sobre os significados do termo
ideologia. O estudo mais relevante de Marx sobre o tema é o texto chamado de
"A Ideologia Alemã". Para Marx, a produção das idéias não pode ser
analisada separadamente das condições sociais e históricas nas quais elas
surgem.
Em "A Ideologia Alemã", o fundador
do marxismo dirige inúmeras críticas a vários filósofos e ideólogos alemães
justamente para demonstrar que o pensamento, as idéias e as doutrinas
produzidas por eles não são neutras. Muito pelo contrário, elas estão
impregnadas de noções, isto é, de ideologias provenientes das condições sociais
particulares da Alemanha daquele período.
Marx também distingue tipos de ideologias que
são produzidas: política, jurídica, econômica e filosófica. Com base nos
pressupostos teóricos do materialismo histórico, o pensador alemão demonstra
que a ideologia é determinada pelas relações de dominação entre as classes
sociais.
Ao se referir à ideologia burguesa, Marx
entende que as idéias e representações sociais predominantes numa sociedade
capitalista são produtos da dominação de uma classe social (a burguesia) sobre
a classe social dominada (o proletariado).
A existência da propriedade privada e as
diferenças entre proprietários e não-proprietários aparecem, por exemplo, nas
representações sociais dos indivíduos como algo que sempre existiu e que faz
parte da "ordem natural" das coisas. Essas representações sociais,
porém, servem aos interesses da burguesia, classe social que controla os meios
de produção numa sociedade capitalista.
Função social da ideologia
Na perspectiva marxista , a ideologia é um
conceito que denota "falsa consciência": uma crença mistificante que
é socialmente determinada e que se presta a estabilizar a ordem social vigente
em benefício das classes dominantes. Quando a ideologia da classe dominante
sofre sérios abalos, devido ao surgimento de conflitos sociais (contradições
sociais), há riscos de ocorrer uma ruptura da ordem social vigente por um
movimento revolucionário.
Historicamente, a burguesia também foi uma
classe revolucionária que rompeu com a ordem social do feudalismo e impôs o
modo de produção capitalista. Portanto, Marx argumenta que na ordem social
capitalista, o proletariado, ou seja, todos aqueles que não são proprietários
dos meios de produção e precisam vender sua força de trabalho para sobreviver -
são os sujeitos depositários da esperança de uma ruptura revolucionária.
Para que isso ocorra, entretanto, o
proletariado precisa primeiramente romper com a ideologia burguesa. E isso só
se torna possível quando ele toma consciência de sua condição de classe
dominada e explorada.
Uso corrente do termo "ideologia"
Nas pesquisas sociológicas empíricas (ou
seja, de caráter não-teórico), é bastante comum o emprego do termo ideologia.
Porém, ele é utilizado como recurso metodológico.
O objetivo é somente descrever o conjunto de
idéias, valores ou crenças que orientam a percepção e o comportamento dos
indivíduos sobre diversos assuntos ou aspectos sociais, como, por exemplo, as
opiniões e as preferências que os indivíduos têm sobre o sistema político
vigente, a ordem pública, o governo, as leis, as condições econômicas e
sociais, entre outros.
Fonte. www.uol.com.br, Renato Cancian.