Ética dentro da escola.Fui convidado para uma
reunião pedagógica em uma escola de ensino fundamental e médio na qual a
direção e os coordenadores trouxeram para a pauta o comportamento dos alunos
nas dependências do colégio.
Fui
convidado para uma reunião pedagógica em uma escola de ensino fundamental e
médio na qual a direção e os coordenadores trouxeram para a pauta o
comportamento dos alunos nas dependências do colégio. Como exigir uma postura
ética do aluno na escola?
Houve argumentos bem interessantes por parte dos
educadores, porém, ao término, todos saíram sem uma resposta clara e com a
sensação de que algum fato importante foi deixado de lado. Como filósofo,
passei a semana refletindo sobre o assunto e acabei chegando a uma pergunta
elementar: ser aluno do ensino infantil, fundamental ou médio pode ser inscrito
no campo da Ética?
Se a Ética é o estudo das ações humanas, e sendo as
ações de cada homem singulares, pensamentos que cada sujeito faz de sua própria
conduta - fenômeno denominado por muitos filósofos como reflexão moral - cabe
então refletir se a presença do aluno na escola faz parte de uma deliberação
moral. Para que uma ação se inscreva no campo da moral, ela precisa ser pessoal
e livre, ou seja, uma ação autônoma que poderia ser realizada pelo agente sem
um impedimento dimento ou ameaça. Ir ou não para a escola, eis a questão
tipicamente moral.
Ao analisarmos o fato, constatamos que esses
estudantes são obrigados pelos pais e pelo Estado a irem para a escola. Logo,
não podendo escolher sobre sua presença na escola, a ação não se inscreve na
reflexão moral e, consequentemente, se inscreve no campo da Ética. O aluno é
coagido, não possuindo liberdade para escolher de forma diferente.
Constatada a não obrigatoriedade do aluno em sua
permanência na escola e com isso a impossibilidade de lhe cobrar uma postura
ética diante dela, nos perguntamos se há um problema ético quando o aluno não
estuda, desrespeitando a autoridade do professor, ou quando o aluno não
respeita os colegas e demais funcionários da escola.
Analisemos então o papel do estudo no contexto da
instituição escolar: por que o Estado nos obriga a ler, escrever, somar,
diferenciar os seres vivos, entender os elementos que constituem o mundo,
analisar a sociedade e sua história ou mesmo pensar sobre a própria existência?
Quais são os seus reais interesses? A resposta oferecida pelo Ministério da
Educação é simples e objetiva: formar agentes cidadãos que contribuam para o
desenvolvimento e bem-estar da sociedade.
Como bem nos instrui o pensamento ético de Kant, é um
dever de ordem ética que os homens busquem o conhecimento e contribuam para o
bem-estar e desenvolvimento social. Por esse motivo, é dever de todo aluno
estudar as matérias oferecidas pela escola que contribuam para sua formação
como cidadão e aceitar o professor como agente social competente e legítimo a
quem foi destinada esta tarefa longa e difícil.
Os alunos são seres humanos que desfrutam dos
benefícios e segurança oferecidos pelo desenvolvimento e coesão social. São
herdeiros de inúmeras gerações que estudaram, pensaram, trabalharam e lutaram
muito para que eles obtivessem Educação, Saúde, direitos iguais, possibilidade
de participação política, transporte, tecnologias para produção e conservação
de alimentos, aparelhos eletrônicos que facilitam ou divertem a vida, entre
outros inúmeros benefícios. Os que não querem viver fora da sociedade devem
respeitar seus mestres e os conhecimentos que lhes são oferecidos e se esforçar
para tornar seu entorno melhor do que receberam. Graças a essa orientação
moral, presente entre os homens ao longo da história, conseguimos "deixar
a caverna" e evoluir.
Esclarecido o dever referente aos estudos, cabe
refletir se o aluno, forçado a ir para escola, deve respeitar os seus colegas
de sala e os funcionários que trabalham nessa instituição. Discussão ética
pertinente, afinal, o aluno não escolheu seus companheiros de classe e nem os
trabalhadores da escola. Poderia ele ignorar seus valores éticos e lhes faltar
com respeito?
Novamente chamamos Immanuel Kant para nos prestar
auxílio. O que aconteceria se todos os homens, ao mesmo tempo, faltassem com o
respeito pelo outro? Certamente se instauraria um ambiente de contenda,
comprometendo assim a vida em sociedade. Situação de perigo e insegurança que
os alunos normais não desejam. Constatando o perigo da generalização de sua
falta de respeito pelo próximo, e sua capacidade de sofrer com as próprias
ações, não é permitido ao aluno desrespeitar outro aluno. A escola não foi feita
para ser descontraída e sua importância na formação de cidadãos requer esforços
e situações de desconforto.
Sobre os funcionários da escola, vale o princípio da
universalidade do respeito anteriormente citado. O problema em se fazer essa
correlação é que os alunos compartilham a visão recebida dos pais de que o
funcionário não é um sujeito igual a eles e sim um objeto, um instrumento.
Alguém que é pago para obedecer e saciar seus caprichos. Isso é um mal moderno
gerado pela desorientação ética familiar. Nesses casos, é preciso lembrar
alunos e familiares sobre o Princípio da Dignidade Humana, em outras palavras,
sobre o dever de tratar outro ser humano como fim em si mesmo, não como objeto
ou instrumento de apetites alheios. Resgatar a consciência de que a condição
econômica e social não faz ninguém melhor do que o outro. Que o bedel, o
faxineiro, a moça da cantina são empregados e não escravos, que todos eles são
pessoas que possuem sentimentos.
Enfim,
toda vez que buscamos uma orientação ética para o aluno na escola iremos
falhar. Afinal, ele não deliberou estar nesse ambiente, ao contrário da
faculdade, por exemplo. Porém, isso não o exime das responsabilidades que
possui com seus estudos e com os demais agentes escolares. Tudo o que escrevi é
de notório saber, porém, os responsáveis pelos processos de educação raramente
se lembram desses conhecimentos éticos quando precisam.
Fonte: Revista Filosofia, Arthur Meucci.