quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O movimento feminista.



As ideias feministas são as ideias que denunciam as desigualdades entre homens e mulheres, têm uma história bastante antiga. Já no final do século XVIII, no contexto da Revolução Francesa, havia pensadoras feministas, como a francesa Olympe de Gouges (1748-1793), autora da Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791), e a inglesa Mary Wallstonecraft (1759-1797), que escreveu Defesa dos direitos da mulher (1790). Esses escritos eram inspirados pelos ideais de liberdade e de igualdade difundidos pela Revolução Francesa e exigiam a igualdade das mulheres frente a seus companheiros. No entanto, essas reivindicações não eram socialmente reconhecidas, e a escritora Olympe de Gouges foi guilhotinada devido à radicalidade de suas demandas.
No século XIX, as bandeiras feministas estiveram fortemente marcadas pela consolidação do capitalismo nos países europeus e nos Estados Unidos. As mulheres passaram então a se organizar nas fábricas e nos sindicatos para lutar por melhores salários e condições de trabalho. Foi nesse contexto, e graças a uma greve de operárias da indústria têxtil em Nova Iorque, que o dia 8 de março se tornou o Dia Internacional da Mulher. Assim, como outras datas comemorativas, essa serve para manter na memória o histórico de luta pelos direitos das mulheres. O período entre o fim do século XIX e início do XX ficou marcado pelo movimento sufragista. Em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, as sufragettes, como eram chamadas, lutavam pelo direito ao voto, apenas estendido às mulheres década de 1920.
Equivocadamente, imagina-se quen ao houve representantes da primeira onda feminista no Brasil. No entanto, tivemos aqui dois grandes exemplos de feministas: Nisia Floresta (1810-1885) e Bertha Lutz (1894-1976), início do século XX. Nascida no Rio Grande do Norte, Nisia Floresta é considerada a primeira feminista brasileira. Ela publicou Direitos das mulheres e injustiças dos homens (1932), uma tradução livre das ideias de Mary Wallstonecraft. Por sua vez, a paulista Bertha Lutz foi fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino e teve papel decisivo no direito de voto às mulheres. Contra várias forças conservadoras da época e após quase dez anos de reivindicação da Federação, o voto feminino foi instituído por decreto, em 1932, por Getúlio Vargas.
A segunda onda do movimento feminista.
A partir da década de 1960, os modelos sociais e culturais do comunismo soviético e do american way of life começaram a ser fortemente questionadas. Muitos fatores ajudaram a colocar em xeque sua validade, como a descolonização dos países africanos, a massiva escolarização das classes médias nos Estados Unidos e, na Europa, a revelação da violência da URSS contra alguns de seus países. Foi nessa atmosfera de reivindicações culturais e políticas intensas que surgiu a segunda onda do feminismo. Ao lado dessas várias formas de contestação social, as mulheres, organizadas em grupos feministas, também contestavam os modelos de sociedade herdados da Guerra Fria.
No contexto francês, o ano de 1970 é considerado o marco fundador do renascimento do feminismo. Bastante inspirado pelo Maio de 68, as ações pela liberação das mulheres reuniu vários grupos informais que criticavam as hierarquias e os conservadorismos da sociedade da época. A principal influência teórica do movimento veio da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir (1908-1986). As ideias dessa pensadora são ainda fundamentais para os ideais feministas não só na França, mas em todo o mundo. Sua importância se deve ao fato de ela ter expressado, de forma clara e contundente, a ideia de que a diferença entre os sexos não tem suas raízes na conformação corporal. Negando o determinismo biológico, Simone de Beauvoir mostrou como as mulheres não nascem passivas; é a educação, como prática social, que considera a passividade como algo supostamente feminino.
Já nos Estados Unidos, a segunda onda do movimento feminista estava, claramente dividida em duas tendências dominantes. A primeira delas foi marcada pela reflexão de Betty Friedan (1921-2006) em sua obra Mística feminina (1963). Nesse livro, Friedan denunciava o papel social dado à mulher na ideologia do sonho americano (american dream). Após ter realizado centenas de entrevistas com mulheres, médicos, psicólogos e editores de revistas femininas, ela percebeu que as donas de casa estadunidenses viviam um “mal sem nome”. Nos depoimentos, essas mulheres se mostravam deprimidas ou mesmo “vazias” em razão da falta de sentido das suas vidas domésticas.
A autora mostrou também a tentativa de “especialistas”, como médicos e psicólogos, no sentido de “curar” o desconforto vivido por elas. No entanto, para Friedan esses “especialistas” faziam parte da elaboração da “mística feminina”, ou seja, eles produziam e difundiam estereótipos que limitavam o papel das mulheres ao lar e ao cuidado dos filhos. Uma parte importante do movimento feminista estadunidense nasceu sob influência direta dessa pensadora. Ela, em 1966, liderou a fundação da Organização Nacional das Mulheres. Essa associação luta pelos direitos das mulheres em diversas áreas.
O feminismo radical foi outra forte corrente do movimento feminista nos Estados Unidos. Diferentemente das críticas inspiradas por Friedan, a reivindicação das feministas radicais tinha a sexualidade como sua principal questão. Com forte apelo de transformação sexual, essa bandeira foi defendida pelo movimento de liberação das mulheres e foi sintetizada na obra de Kate Millett (1934-) intitulada A política sexual (1968). Esse livro critica o patriarcado, um poder que, segundo a autora, se expressa tanto dentro como fora de casa, pois outras instituições sociais também compartilham o papel de reproduzir o domínio sobre as mulheres.
Por meio dos exemplos estadunidenses e francês, notamos como as ideias e reivindicações da segunda onda feminista foram bastante diversificadas. Essa etapa do feminismo se distinguiu fortemente da primeira. No começo do século XX, a luta das mulheres se voltava apenas para o direito ao voto e não questionava o papel reservado à mulher no interior da família.
Apesar de sua diversidade, as correntes da segunda onda utilizavam um mesmo lema capaz de captar suas diferentes demandas: “o pessoal é político”. Por meio dessa expressão e inspiradas por Simone de Beauvoir, o discurso feminista tratava de dizer que as questões antes consideradas “íntimas” eram, na verdade, permeadas por relações de poder. A noção de patriarcado e a denúncia da “mística feminina” serviram para mostrar como se exercem forma de controle sobre a mulher na esfera privada. Em suam, o lema feminista “o pessoal é político” funcionou como instrumento eficiente de politização, pois, ao enfatizar as relações de poder, tornou claro que até mesmo os laços íntimos são desiguais e hierárquicos.
Gradualmente, durante as décadas de 1970 e 1980, as reivindicações do feminismo foram reconhecidas por organismos nacionais e internacionais como um assunto de política pública. A partir dessas décadas, também as Ciências Humanas passaram a incorporar essas questões, indagando como se produzem e se justificam as desigualdades entre homens e mulheres. Assim, foi por meio do diálogo e do envolvimento com as feministas da segunda onda que as teorias acadêmicas forjaram a noção de gênero.
Feminismo no Brasil: da Ditadura Militar à redemocratização.
No Brasil, as décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pela repressão política e pela perda das liberdades civis. Foi no contexto dos governos da Ditadura Militar (1964-1985) que o movimento feminista brasileiro renasceu sob a forma de organizações de mulheres.
As mulheres feministas se reuniram em pequenos grupos de reflexão espalhados nas maiores cidades brasileiras. Elas eram universitárias ou professoras universitárias de classe média e tinham uma forte ligação com os grupos contrários à Ditadura. Com o agravamento da repressão, com o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, muitas delas foram exiladas, passando a viver em países como a França e os Estados Unidos. Especialmente nesses dois países, o discurso feminista já tinha alguma relevância pública e o contato com o feminismo já tinha alguma relevância pública e o contato com o feminismo no exterior foi, posteriormente, decisivo para a maior parte das exiladas. Até meados da década de 1970, os grupos feministas tinham no Brasil uma composição muito informal e estavam orientados para reuniões de conscientização e discussão de temas íntimos. Esse caráter informal e reservado se devia não apenas ao controle do regime militar sobre quaisquer contestações, mas também aos próprios grupos de esquerda, que repudiavam e atacavam o feminismo.
A partir de 1975, uma série de fatores influenciou o ressurgimento público do movimento feminista no Brasil.
Por um lado, com o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o regime ditatorial dava os primeiros sinais de que o país poderia voltar a ter uma vida política menos autoritária. Conhecido como “distensão”, esse período assinalava para a saída gradual dos militares do poder, revogando paulatinamente as restrições impostas à atividade política desde 1968. Foi nesse contexto que, junto a outras organizações, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), os grupos feministas lutaram pela anistia, conquistada em 1979 e que permitiu a volta dos exilados políticos.
Por outro lado, o panorama internacional dos anos 1970 também favorecia a retomada e a legitimação das articulações feministas. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 1975 como o Ano Internacional da Mulher, seguida da Década da Mulher, até 1985.
Imagine, numa época como aquela, a radicalidade que posturas como liberdade política, anistia, direito à contracepção, consciência dos direitos de gêneros, etc. representavam.
Os anos 1980 marcaram uma nova e importante etapa para o feminismo brasileiro devido às transformações políticas da época: tanto a anistia quanto a abertura política realocaram os partidos como os atores legítimos para competir por votos e adesão popular. Assim, a volta da realização de eleições estaduais e municipais, em 1982, abriu espaço para a participação política de várias militantes feministas.
Por outro lado, com as transições democráticas, as instituições políticas passaram a ser um dos principais canais de reivindicações feministas, em especial, para as denúncias de violência contra a mulher. É em resposta a esse tipo de demanda que foram, por todo o país, os chamados conselhos da condição da mulher e também a delegacia da mulher. Nessa mesma década, durante os meses que antecederam a promulgação da Constituição de 1988, as mulheres se mobilizaram e participaram ativamente da elaboração da nossa Carta Constitucional, que entre vários avanços, instituiu a igualdade entre homens e mulheres.
De 1990 até os dias atuais: difusão, institucionalização e diversificação do feminismo e conquista de direitos.
Há algum tempo era comum ouvir a expressão “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Ela servia, e continua a servir, mesmo que com menor intensidade, como justificativa para que as desigualdades de gênero não sejam questionadas. O fato de atualmente a violência física e simbólica contra as mulheres ser vista pela sociedade como algo grave a ser combatido é resultado de ideias esculpidas por organizações feministas. Elas atualmente permeiam a sociedade brasileira e se difundiram pelas instituições sociais.
O movimento feminista brasileiro tornou-se, nos anos 1990, mais institucionalizado, o que significa que ele passou por dois tipos de transformação. Por um lado deixou de ser informal para se estrutura em organizações mais hierarquizadas e profissionais, em especial sob a forma de organizações não governamentais (ONGs). Por outro, entrou diretamente em espaços político-institucionais do Estado Brasil, ou seja, boa parte das militantes feministas das décadas anteriores passou a fazer parte de órgãos estatais, como as secretarias estaduais e municipais. Assim, a difusão e a institucionalização do feminismo estão bastante ligadas, pois muitas feministas passaram a atuar profissionalmente no interior das instituições e dos órgãos públicos.
Do ponto de vista da institucionalização, uma das conquistas mais significativas do movimento feminista brasileiro foi a criação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, no ano de 2003. Ela tem nível ministerial e atua com outros ministérios na elaboração de políticas para combater as desigualdades sociais de vários tipos que atingem as mulheres. No que diz respeito aos direitos, a partir da Constituição de 1988 as mulheres lograram igualdade frente aos homens, tendo consolidados seus direitos civis e políticos de forma plena, ao menos no papel. No âmbito da política forma criados instrumentos legais, as chamadas ações afirmativas, para incentivar a participação feminina nos partidos e nas eleições. No âmbito do mercado de trabalho, vários mecanismos protegem as mulheres da discriminação. E no âmbito da vida conjugal, desde a Constituição de 1988 a mulher não é mais considerada subordinada ao homem ou dependente dele. Uma recente e importante conquista das organizações feministas foi a chamada Lei Maria da Pena, de 2006, pune com maior rigor a violência doméstica.
Fonte: Livro Postiivo.