As ideias feministas são as ideias que denunciam as
desigualdades entre homens e mulheres, têm uma história bastante antiga. Já no
final do século XVIII, no contexto da Revolução Francesa, havia pensadoras
feministas, como a francesa Olympe de Gouges (1748-1793), autora da Declaração dos direitos da mulher e da
cidadã (1791), e a inglesa Mary Wallstonecraft (1759-1797), que escreveu Defesa dos direitos da mulher (1790).
Esses escritos eram inspirados pelos ideais de liberdade e de igualdade
difundidos pela Revolução Francesa e exigiam a igualdade das mulheres frente a
seus companheiros. No entanto, essas reivindicações não eram socialmente
reconhecidas, e a escritora Olympe de Gouges foi guilhotinada devido à
radicalidade de suas demandas.
No século XIX, as bandeiras feministas estiveram
fortemente marcadas pela consolidação do capitalismo nos países europeus e nos
Estados Unidos. As mulheres passaram então a se organizar nas fábricas e nos
sindicatos para lutar por melhores salários e condições de trabalho. Foi nesse
contexto, e graças a uma greve de operárias da indústria têxtil em Nova Iorque,
que o dia 8 de março se tornou o Dia Internacional da Mulher. Assim, como
outras datas comemorativas, essa serve para manter na memória o histórico de
luta pelos direitos das mulheres. O período entre o fim do século XIX e início
do XX ficou marcado pelo movimento sufragista. Em países como a Inglaterra e os
Estados Unidos, as sufragettes, como
eram chamadas, lutavam pelo direito ao voto, apenas estendido às mulheres
década de 1920.
Equivocadamente, imagina-se quen ao houve
representantes da primeira onda feminista no Brasil. No entanto, tivemos aqui
dois grandes exemplos de feministas: Nisia Floresta (1810-1885) e Bertha Lutz
(1894-1976), início do século XX. Nascida no Rio Grande do Norte, Nisia
Floresta é considerada a primeira feminista brasileira. Ela publicou Direitos das mulheres e injustiças dos
homens (1932), uma tradução livre das ideias de Mary Wallstonecraft. Por
sua vez, a paulista Bertha Lutz foi fundadora da Federação Brasileira para o
Progresso Feminino e teve papel decisivo no direito de voto às mulheres. Contra
várias forças conservadoras da época e após quase dez anos de reivindicação da
Federação, o voto feminino foi instituído por decreto, em 1932, por Getúlio
Vargas.
A segunda onda do movimento
feminista.
A partir da década de 1960, os modelos sociais e
culturais do comunismo soviético e do american
way of life começaram a ser fortemente questionadas. Muitos fatores
ajudaram a colocar em xeque sua validade, como a descolonização dos países
africanos, a massiva escolarização das classes médias nos Estados Unidos e, na Europa,
a revelação da violência da URSS contra alguns de seus países. Foi nessa
atmosfera de reivindicações culturais e políticas intensas que surgiu a segunda
onda do feminismo. Ao lado dessas várias formas de contestação social, as mulheres,
organizadas em grupos feministas, também contestavam os modelos de sociedade
herdados da Guerra Fria.
No contexto francês, o ano de 1970 é considerado o
marco fundador do renascimento do feminismo. Bastante inspirado pelo Maio de
68, as ações pela liberação das mulheres reuniu vários grupos informais que
criticavam as hierarquias e os conservadorismos da sociedade da época. A
principal influência teórica do movimento veio da obra O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir (1908-1986). As ideias
dessa pensadora são ainda fundamentais para os ideais feministas não só na
França, mas em todo o mundo. Sua importância se deve ao fato de ela ter
expressado, de forma clara e contundente, a ideia de que a diferença entre os
sexos não tem suas raízes na conformação corporal. Negando o determinismo
biológico, Simone de Beauvoir mostrou como as mulheres não nascem passivas; é a
educação, como prática social, que considera a passividade como algo supostamente
feminino.
Já nos Estados Unidos, a segunda onda do movimento
feminista estava, claramente dividida em duas tendências dominantes. A primeira
delas foi marcada pela reflexão de Betty Friedan (1921-2006) em sua obra Mística feminina (1963). Nesse livro, Friedan
denunciava o papel social dado à mulher na ideologia do sonho americano (american dream). Após ter realizado
centenas de entrevistas com mulheres, médicos, psicólogos e editores de
revistas femininas, ela percebeu que as donas de casa estadunidenses viviam um “mal
sem nome”. Nos depoimentos, essas mulheres se mostravam deprimidas ou mesmo “vazias”
em razão da falta de sentido das suas vidas domésticas.
A autora mostrou também a tentativa de “especialistas”,
como médicos e psicólogos, no sentido de “curar” o desconforto vivido por elas.
No entanto, para Friedan esses “especialistas” faziam parte da elaboração da “mística
feminina”, ou seja, eles produziam e difundiam estereótipos que limitavam o
papel das mulheres ao lar e ao cuidado dos filhos. Uma parte importante do
movimento feminista estadunidense nasceu sob influência direta dessa pensadora.
Ela, em 1966, liderou a fundação da Organização Nacional das Mulheres. Essa
associação luta pelos direitos das mulheres em diversas áreas.
O feminismo radical foi outra forte corrente do
movimento feminista nos Estados Unidos. Diferentemente das críticas inspiradas
por Friedan, a reivindicação das feministas radicais tinha a sexualidade como
sua principal questão. Com forte apelo de transformação sexual, essa bandeira
foi defendida pelo movimento de liberação das mulheres e foi sintetizada na
obra de Kate Millett (1934-) intitulada A
política sexual (1968). Esse livro critica o patriarcado, um poder que,
segundo a autora, se expressa tanto dentro como fora de casa, pois outras
instituições sociais também compartilham o papel de reproduzir o domínio sobre
as mulheres.
Por meio dos exemplos estadunidenses e francês,
notamos como as ideias e reivindicações da segunda onda feminista foram
bastante diversificadas. Essa etapa do feminismo se distinguiu fortemente da primeira.
No começo do século XX, a luta das mulheres se voltava apenas para o direito ao
voto e não questionava o papel reservado à mulher no interior da família.
Apesar de sua diversidade, as correntes da segunda
onda utilizavam um mesmo lema capaz de captar suas diferentes demandas: “o
pessoal é político”. Por meio dessa expressão e inspiradas por Simone de
Beauvoir, o discurso feminista tratava de dizer que as questões antes
consideradas “íntimas” eram, na verdade, permeadas por relações de poder. A
noção de patriarcado e a denúncia da “mística feminina” serviram para mostrar
como se exercem forma de controle sobre a mulher na esfera privada. Em suam, o
lema feminista “o pessoal é político” funcionou como instrumento eficiente de
politização, pois, ao enfatizar as relações de poder, tornou claro que até
mesmo os laços íntimos são desiguais e hierárquicos.
Gradualmente, durante as décadas de 1970 e 1980, as
reivindicações do feminismo foram reconhecidas por organismos nacionais e
internacionais como um assunto de política pública. A partir dessas décadas,
também as Ciências Humanas passaram a incorporar essas questões, indagando como
se produzem e se justificam as desigualdades entre homens e mulheres. Assim,
foi por meio do diálogo e do envolvimento com as feministas da segunda onda que
as teorias acadêmicas forjaram a noção de gênero.
Feminismo no Brasil: da Ditadura
Militar à redemocratização.
No Brasil, as décadas de 1960 e 1970 foram marcadas
pela repressão política e pela perda das liberdades civis. Foi no contexto dos governos
da Ditadura Militar (1964-1985) que o movimento feminista brasileiro renasceu
sob a forma de organizações de mulheres.
As mulheres feministas se reuniram em pequenos
grupos de reflexão espalhados nas maiores cidades brasileiras. Elas eram
universitárias ou professoras universitárias de classe média e tinham uma forte
ligação com os grupos contrários à Ditadura. Com o agravamento da repressão,
com o Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, muitas delas foram exiladas,
passando a viver em países como a França e os Estados Unidos. Especialmente
nesses dois países, o discurso feminista já tinha alguma relevância pública e o
contato com o feminismo já tinha alguma relevância pública e o contato com o
feminismo no exterior foi, posteriormente, decisivo para a maior parte das
exiladas. Até meados da década de 1970, os grupos feministas tinham no Brasil
uma composição muito informal e estavam orientados para reuniões de
conscientização e discussão de temas íntimos. Esse caráter informal e reservado
se devia não apenas ao controle do regime militar sobre quaisquer contestações,
mas também aos próprios grupos de esquerda, que repudiavam e atacavam o
feminismo.
A partir de 1975, uma série de fatores influenciou
o ressurgimento público do movimento feminista no Brasil.
Por um lado, com o governo do general Ernesto
Geisel (1974-1979), o regime ditatorial dava os primeiros sinais de que o país
poderia voltar a ter uma vida política menos autoritária. Conhecido como “distensão”,
esse período assinalava para a saída gradual dos militares do poder, revogando
paulatinamente as restrições impostas à atividade política desde 1968. Foi
nesse contexto que, junto a outras organizações, como a União Nacional dos
Estudantes (UNE) e a Organização dos Advogados do Brasil (OAB), os grupos
feministas lutaram pela anistia, conquistada em 1979 e que permitiu a volta dos
exilados políticos.
Por outro lado, o panorama internacional dos anos
1970 também favorecia a retomada e a legitimação das articulações feministas. A
Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 1975 como o Ano Internacional da
Mulher, seguida da Década da Mulher, até 1985.
Imagine, numa época como aquela, a radicalidade que
posturas como liberdade política, anistia, direito à contracepção, consciência
dos direitos de gêneros, etc. representavam.
Os anos 1980 marcaram uma nova e importante etapa
para o feminismo brasileiro devido às transformações políticas da época: tanto
a anistia quanto a abertura política realocaram os partidos como os atores
legítimos para competir por votos e adesão popular. Assim, a volta da
realização de eleições estaduais e municipais, em 1982, abriu espaço para a
participação política de várias militantes feministas.
Por outro lado, com as transições democráticas, as
instituições políticas passaram a ser um dos principais canais de
reivindicações feministas, em especial, para as denúncias de violência contra a
mulher. É em resposta a esse tipo de demanda que foram, por todo o país, os
chamados conselhos da condição da mulher e também a delegacia da mulher. Nessa
mesma década, durante os meses que antecederam a promulgação da Constituição de
1988, as mulheres se mobilizaram e participaram ativamente da elaboração da
nossa Carta Constitucional, que entre vários avanços, instituiu a igualdade
entre homens e mulheres.
De 1990 até os dias atuais:
difusão, institucionalização e diversificação do feminismo e conquista de
direitos.
Há algum tempo era comum ouvir a expressão “em
briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Ela servia, e continua a
servir, mesmo que com menor intensidade, como justificativa para que as
desigualdades de gênero não sejam questionadas. O fato de atualmente a violência
física e simbólica contra as mulheres ser vista pela sociedade como algo grave
a ser combatido é resultado de ideias esculpidas por organizações feministas.
Elas atualmente permeiam a sociedade brasileira e se difundiram pelas instituições
sociais.
O movimento feminista brasileiro tornou-se, nos
anos 1990, mais institucionalizado, o que significa que ele passou por dois
tipos de transformação. Por um lado deixou de ser informal para se estrutura em
organizações mais hierarquizadas e profissionais, em especial sob a forma de
organizações não governamentais (ONGs). Por outro, entrou diretamente em
espaços político-institucionais do Estado Brasil, ou seja, boa parte das
militantes feministas das décadas anteriores passou a fazer parte de órgãos
estatais, como as secretarias estaduais e municipais. Assim, a difusão e a
institucionalização do feminismo estão bastante ligadas, pois muitas feministas
passaram a atuar profissionalmente no interior das instituições e dos órgãos
públicos.
Do ponto de vista da institucionalização, uma das
conquistas mais significativas do movimento feminista brasileiro foi a criação
da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, no ano de 2003. Ela tem
nível ministerial e atua com outros ministérios na elaboração de políticas para
combater as desigualdades sociais de vários tipos que atingem as mulheres. No
que diz respeito aos direitos, a partir da Constituição de 1988 as mulheres
lograram igualdade frente aos homens, tendo consolidados seus direitos civis e
políticos de forma plena, ao menos no papel. No âmbito da política forma
criados instrumentos legais, as chamadas ações afirmativas, para incentivar a
participação feminina nos partidos e nas eleições. No âmbito do mercado de
trabalho, vários mecanismos protegem as mulheres da discriminação. E no âmbito
da vida conjugal, desde a Constituição de 1988 a mulher não é mais considerada
subordinada ao homem ou dependente dele. Uma recente e importante conquista das
organizações feministas foi a chamada Lei Maria da Pena, de 2006, pune com
maior rigor a violência doméstica.
Fonte: Livro Postiivo.