Elementos da percepção.
Perceber é ser capaz de identificar o modo como a
realidade aparece e ter alguma reação subjetiva a ela, ou seja, uma reação
pessoal, individual.
Há muito tempo, a filosofia aborda as percepções em
diferentes áreas de reflexão. A Teoria do Conhecimento, por exemplo, investiga
se elas são confiáveis ou não, mas quer elas sejam realidades ou aparências,
quer sejam, essências ou fenômenos, o fato de serem ou não agradáveis e a
possibilidade de serem universais ou particulares também intrigaram os
filósofos.
Por isso, além de investigar, por exemplo, se
pessoas diferentes veriam uma imagem semelhante ao contemplarem determinado
objeto, eles também entraram no universo do gosto para descobrir se tal imagem
seria agradável ou desagradável para todas e por quê. Assim, inauguraram uma
nova área da Filosofia, para discutir questões ligadas à sensibilidade, ao
gosto e à arte.
Diante dessa informação, é possível que você sem
lembre do ditado popular, segundo o qual “gosto não se discute”. No entanto,
vale destacar que ele não deve ser compreendido literalmente, ou seja, ele não
significa que essa discussão não exista na prática e, sim, que, de tão
complexa, a maioria prefere abandoná-la. Entretanto, será visto a seguir que,
no desenrolar da História, essa não tem sido a atitude dos filósofos.
O termo sensibilidade aplica-se à faculdade de
sentir e de perceber sensorialmente a realidade que nos cerca. Decorrem dessa
capacidade as sensações físicas, bem como a ela se relacionam as emoções e os
sentimentos.
Gostar ou não gostar.
Por que você gosta de coisas que outras detestam ou
tem gosto parecidos com os de alguns – principalmente aqueles que têm idade
próxima à sua e fazem parte do seu ambiente cultural? As qualidades que
pertencem às coisas são objetivas, e as formas de perceber são subjetivas, ou
seja, dependem do sujeito que percebe. Por isso, mudam para cada espécie ou
indivíduo. Assim sendo, a faculdade de perceber, por exemplo, a cor do céu –
que é azul – é universal, enquanto a experiência de apreciar essa cor ou
detestá-la é particular. Ademais, as pessoas encontram dificuldades para
justificar, por meio de argumentos, as suas opiniões favoráveis ou desfavoráveis
sobre determinado prazer ou desprazer para cada um. E existe uma dificuldade
ainda maior no que diz respeito a justificar a impressão de que algo é belo ou
feio.
Em busca do belo.
Ao escolher
objetos, as pessoas seguem critérios que tornam uns preferíveis a outros, como
o valor material e a utilidade, mas também a perfeição, o caráter agradável ou
a beleza. Isso mostra que elas não são indiferentes ao belo e que admirar é uma
das possíveis formas de contemplar o mundo – assim como investigar ou interpretar.
Além disso, a busca do belo surge até nos aspectos
mais corriqueiros da vida humana. Basta observar o cuidado das pessoas com a
própria aparência e a das coisas que produzem ou adquirem. Nem sempre elas
associam a beleza à utilidade ou a qualquer outro valor, desejando certas
coisas simplesmente por serem bonitas. Embelezam o corpo, mesmo com sacrifícios
– o que levado a extremos gera a chamada da ditadura da beleza; buscam vestir
belas roupas, mesmo que elas não as protejam dos excessos do clima; decoram
suas casas, mesmo que isso não as tornem mais práticas ou confortáveis.
É possível definir o belo?
Na Antiguidade grega, Platão definia o belo como a
ideia perfeita que daria forma a todas as coisas bonitas. Entendia a
experiência do belo como sendo uma manifestação da alma e não da sensibilidade
física. Associava a ideia do belo às ideias de bom e verdadeiro, afastando-a,
por isso, das representações artísticas. Platão não era a favor da arte,
segundo ele, a arte era uma cópia das coisas deste mundo, do Mundo Sensível. Este mundo, o Mundo Sensível, era uma cópia do
mundo perfeito, o Mundo das Ideias. O filósofo dizia, então, que a arte não
leva o ser humano à verdade e que a arte não faz o homem alcançar o Mundo das
Ideias, local este que se encontra a verdade de todas as coisas. Mas, ele diz
que o belo se liga ao bom e ao verdadeiro. Algo belo, para o Platão, se
encontrava no Mundo das Idéias, lugar da perfeição, do verdadeiro e do bom. O
belo é diferente da arte. Assim sendo, a única arte que Platão aceitaria,
então, seria a arte que criou as ideias perfeitas, verdadeiras e boas que se
encontra no Mundo das Ideias.
Aristóteles, também da Antiguidade grega, destacava
a relação da beleza com a justa medida, a proporção, a simetria e a harmonia,
admitindo a presença do belo também na arte e na ficção. Para esse filósofo, algo
belo era algo proporcional em não o objeto de arte desproporcional. Os
elementos que compõem a obra de arte - por exemplo, o ser humano - devem estar
em simetria, em harmonia, ou seja, o nariz proporcional à perna que deve estar
proporcional ao braço que deve ser proporcional aos ouvidos que deve ser
proporcional às unhas e estas proporcionais aos pés. O belo, então, para
Aristóteles estava relacionado também à matemática.
Na Idade Média, a noção do belo atrelou-se a
questões teológicas, como a tese de que toda a realidade e a arte se constituem
como criação divina. Nesse contexto, valorizava-se a beleza transcendente do
mundo espiritual que aguardava o homem, após o término de sua jornada na Terra,
para que ele pudesse desfrutas da vida eterna com Deus.
São Tomás de Aquino, na Idade Média, indicava três
elementos formadores do belo: a integridade, a proporção e a claridade. Esse
filósofo associava a perfeição à integridade que é a plenitude de um objeto de
arte, ou seja, não falta a esse objeto de arte; associava a bondade à
proporção, ou seja, todos os elementos do objeto devem estar proporcionalmente
para que ele seja belo; e, associava a verdade do objeto de arte à claridade,
ou seja, a evidência do objeto. Tomás de Aquino, ainda defendia que “o belo como
o que agrada a visão”, isto é, a visão é citada em sua relação com o intelecto,
com a razão, capaz de identificar a harmonia entre a integridade, a proporção e
a claridade no objeto. Para esse filósofo, a experiência criadora do artista
estava relacionada, também, à intuição humana da beleza que provém de Deus.
Immanuel Kant, no século XVIII, afirmava que “o
belo é o que agrada universalmente, sem depender de um interesse ou de um
conceito”. Para Kant a beleza era um dado objetivo, ou seja, ela estava presente
nos próprios objetos de arte como um atributo destes, e o gosto era a faculdade
humana de julgar esse dado objetivo. Os juízos de gosto – os julgamentos a
partir de nossos gostos – não são lógicos, provenientes da razão, mas são
estéticos, isto é, sensíveis e subjetivos. Os juízos de gosto não dependem dos
conceitos, que estão na mente humana, por isso não são técnicas e práticos. Esses
juízos de gosto são apenas contemplativos e isso significa que não há modelo ou
norma que poderia ser utilizada para determinar previamente o que é belo e o
que não é belo. Se uma pessoa diz “A escultura é bela”, Kant diria que o
conceito de escultura permitirá que o interlocutor compreenda de que a pessoa
está falando, mas não revelará se a borá de arte é bela ou não, pois essa
característica não faz parte do conceito de estátua. Para que o interlocutor
possa tecer um juízo estético é necessária a observação pessoal desse
interlocutor. Kant, então, diria que o belo está presente na própria obra de
arte (no objeto de arte, que é a estátua) como um atributo objetivo presente na
estátua, universalmente percebido pelas pessoas.
Kant ainda irá diferenciar o belo do agradável. A
principal diferença em relação ao agradável seria o fato de se buscar este
último devido a um interesse, o que não ocorreria na busca do belo. Um homem
poderá dizer que sua mulher é bela mesmo ela perdendo a saúde ou partes do
corpo um acidente de trânsito. Mas, ele poderá deixar de amá-la, após o
acidente, se tiver apenas interesse em sua mulher e ela ser agradável a ele.
Fonte: Livro Positivo,
adaptado.