Os conflitos entre israelenses e
palestinos que ocorrem hoje no chamado Oriente Médio poderiam nos levar ao
seguinte questionamento acerca da relação entre política e religião: a disputa
pelos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, bem como da parte leste da
cidade de Jerusalém, é uma questão política ou religiosa? Em outros termos: os
argumentos teológicos dos discursos das partes beligerantes são apenas fonte de
motivação e legitimidade para as ações militares, ou eles expressam uma
dimensão maior da vida humana que abarcaria, entre outras coisas, a Ética e a
Política?
No primeiro
caso, a Religião estaria subordinada à Política, de tal maneira que os líderes
espirituais, tanto dos judeus quanto dos árabes, estariam simplesmente
utilizando o discurso religioso como um instrumento ideológico para mobilização
de seus exércitos; teríamos então que nos indagar acerca da legitimidade dessa
manipulação. No segundo caso, a Política estaria subordinada à Religião, e,
dessa forma, é a própria idéia de Política que seria posta em xeque: o problema
do convívio entre os homens seria resolvido, não em termos de acordos
estabelecidos pelos próprios homens, mas mediante o conhecimento de uma vontade
divina, o que colocaria a arte do governo na dependência de uma revelação sobrenatural.
Ora, não é
preciso ser um especialista no assunto para perceber que a questão, colocada
dessa maneira, não apenas simplifica demasiadamente o problema, como também
cria novas questões ainda mais embaraçosas. Afinal, não é tarefa das mais
fáceis distinguir o que pertence à Religião e o que pertence à Política nas
falas fervorosas dirigidas contra os “infiéis” acerca de um Estado de direito,
ou nas ações de entrega da própria vida como sacrifício à divindade que, para
os órgãos internacionais, não representa outra coisa além de uma ameaça à
segurança pública. Política e Religião mesclam-se de modo tão intenso que a
fronteira entre os domínios de uma e de outra se mostra extremamente difusa, e
não nos parece adequado tentar estabelecer qualquer distinção em termos tão
rígidos.
O conflito entre judeus e palestinos ocorre, principalmente, pela posse e
direito de soberania sobre Jerusalém, e os territórios da Cisjordânia e da
Faixa de Gaza, onde fica o muro das lamentações, principal santuário judeu e
também onde os palestinos querem estabelecer a capital de um futuro estado
independente. As regiões têm significado religioso para os dois povos. Para
Rousseau, origem de conflitos deste tipo estaria na recusa em admitir a verdade
do outro.
É exatamente por conta dessa dificuldade que os conflitos não podem ser
explicados apenas como expressão do fanatismo religioso. Pois, assim,
estaríamos pressupondo a possibilidade de um acordo político que passasse ao
largo das questões religiosas, o que seria equivalente a desprezar todo o
desenvolvimento histórico dos povos envolvidos, para os quais a própria idéia
de nação se encontra profundamente arraigada nas tradições do judaísmo e do
islamismo.
Da mesma
forma, não poderíamos simplesmente rotular os seguidores dessas tradições como
povos “primitivos” ou “atrasados” por seus costumes religiosos, em oposição aos
povos “modernos” do mundo ocidental. Isso implicaria na aceitação da tese de
que existe um progresso da cultura à medida que a moral se dessacraliza (ou se
“seculariza”), o que, de modo algum é consenso entre os estudiosos do fenômeno
religioso; além do mais, tal juízo seria uma retomada da conhecida distinção
entre “antigos” e “modernos”, que sempre serviu mais para justificar
preconceitos eurocêntricos do que para esclarecer de fato as diferenças entre
formas distintas de pensamento. Basta nos lembrarmos da expressão francesa
desse binômio que, nos séculos XVII e XVIII, se deu em termos da oposição entre
“selvagens” e “civilizados”.
Na obra prima de Rousseau, Do
contrato social que fala do pacto de associação entre os indivíduos
para formar a sociedade e o Estado, o filósofo menciona conflito na
Antigüidade, que misturava a Política e a Religião, assim como ocorre entre
judeus e palestinos nos dias atuais. Ele critica o fanatismo e a intolerância e
aponta os malefícios da Religião na sociedade.
Um recuo ao passado
Por meio dessa primeira reflexão sobre a questão
israelo-palestina é possível introduzir um filósofo que, entre outras coisas,
dedicou muito tempo de sua vida a analisar o vínculo entre Religião e Política:
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Esse genebrino, cujas idéias políticas
inspiraram os protagonistas da Revolução Francesa, é um caso exemplar na
história da Filosofia para nos dar elementos de reflexão sobre as guerras
“santas”, não apenas no que se refere às questões de seu tempo, mas também no
que diz respeito ao problema do lugar da Religião na sociedade atual.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, grande influenciador
do Iluminismo francês. Conseguiu criticar a revelação e, ao mesmo tempo, dizer
acreditar nas verdades reveladas por Deus
Profissão de fé
do vigário saboiano
“Apóstolo da verdade, que tendes para me dizer de que eu não continue
sendo o juiz? O próprio Deus falou: escutai a sua revelação. É outra coisa.
Deus falou! Eis com certeza uma grande fala. a quem ele falou? Falou aos
homens. Por que, então, nada ouvi? Encarregou outros homens de te transmitirem
sua mensagem. Entendo! São homens que me vão dizer o que Deus disse. Preferiria
ter ouvido o próprio Deus; não lhe teria custado muito e eu estaria protegido
contra a sedução. Ele vos protege dela manifestando a missão de seus enviados.
Como isso? Através de prodígios. E onde estão esses prodígios? Nos livros. quem
fez esses livros? Homens. quem viu esses prodígios? Homens que os atestam.
Qual! Sempre testemunhos humanos! Homens que me relatam o que outros homens
relataram! Quantos homens entre mim e Deus!” (J.-J. Rousseau, Emílio, livro IV)
Para Rousseau, Jesus foi responsável pela separação entre o poder civil
e o poder eclesiástico (isto é, ele distinguiu a Política da Religião, que no
mundo antigo se confundiam); e, pelo fato de o cristianismo ser uma religião
“inteiramente espiritual”, seus seguidores se preocupam apenas com o céu e se
mostram profundamente indiferentes quanto às coisas da vida presente. Do ponto
de vista da Política, seria como se os cristãos fossem cidadãos de uma pátria
de outro mundo, e que, na pátria terrena, vivessem como estrangeiros, isto é,
pessoas sem vínculos legais com o Estado. O versículo da Bíblia que ilustra bem
essa atitude referida por Rousseau encontra-se nos Atos dos apóstolos, quando
Pedro afirma: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.” (Atos, 5:
29).
Podemos
então perceber que a indiferença política dos cristãos se origina em uma
escolha: devemos obedecer às leis dos homens ou às leis de Deus? Ora, com
relação às leis divinas, o que está em jogo é o destino de cada um na vida
futura, e quaisquer que possam ser as penas e as recompensas oferecidas pelas
leis humanas, nada se compara ao Inferno ou ao Paraíso. Daí se dizer que as
leis civis perdem sua força em relação às leis de Deus, o que justificaria o
severo juízo que encerra a passagem: “Não conheço nada mais contrário ao
espírito social.”
Mas até aí,
nada de mais. Afinal, esse tipo de crítica à Religião cristã podia ser
encontrada com bastante freqüência em textos de Voltaire e do Barão d’Holbach,
para citarmos apenas dois exemplos de pensadores contemporâneos de Rousseau. O
curioso mesmo — e essa é a peculiaridade em relação aos demais filósofos
iluministas — é notar que a crítica de Rousseau ao cristianismo não o impedia
de se confessar cristão, o que à primeira vista pode parecer uma verdadeira
contradição de seu pensamento. Para compreender melhor o duplo posicionamento de Rousseau, é
preciso examinar outro escrito, a Profissão de fé do vigário saboiano, opúsculo encontrado no
livro IV do Emílio, seu tratado sobre
educação.
A obediência à lei civil, que garante a solidez dos laços sociais do Estado,
torna-se menos importante do que a necessidade de obediência à lei divina.
O objetivo da Profissão de fé é mostrar, por meio da idéia de
religião natural, as condições de tolerância entre os homens, tendo-se em vista
que as religiões históricas (cristianismo, judaísmo, islamismo) são
intolerantes por princípio, promovendo apenas violência e ódio.
A religião natural
é uma religião simples, constituída de poucos dogmas fundamentais: a existência
de um deus inteligente, dotado de vontade e poder, que move o universo e ordena
todas as coisas; a existência da alma imaterial que sobrevive à morte do corpo;
a liberdade do homem, que pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal.
Contudo (e é isso que importa notar), esses dogmas são
estabelecidos, não como revelações ou doutrinas eclesiásticas, mas como
verdades aceitáveis pela razão e pela consciência, ou seja, verdades não
segundo um código religioso, mas segundo a natureza e, portanto, acessíveis a
todos os homens sem necessidade de intermediários humanos, coisa que
desagradava profundamente tanto aos teólogos católicos quanto aos protestantes,
os quais defendiam, cada um à sua maneira, a intermediação de Cristo e da
Igreja para que os homens tivessem acesso a Deus.
As múltiplas revelações
Para Rousseau, o problema das revelações é a falta de
universalidade na comunicação entre o céu e a terra: pelo fato de Deus dar a
poucos homens o privilégio de conhecerem sua vontade diretamente de sua boca,
todos os demais ficam na dependência desses porta-vozes da divindade para se
poderem conduzir de acordo com os preceitos do Ser supremo. Contudo, existem
diversas religiões no mundo, cada uma delas com doutrinas próprias
estabelecidas sob a alegação de expressarem a verdade revelada por Deus. E o
detalhe é que essas doutrinas não apenas apresentam diferenças de uma religião
para outra, como também quase sempre se contradizem mutuamente.
E é exatamente nesse ponto que se encontra o problema: se a verdade é
revelada por Deus a todos os homens, então ela deveria ser a mesma em todas as
religiões. E ainda que a forma de expressão dessa verdade variasse, o conteúdo
dos dogmas deveria ser o mesmo, de tal maneira que, a despeito das diferenças
culturais, os pontos fundamentais das diversas religiões fossem compatíveis
entre si, e não conflitantes. A diversidade das revelações é, pois, a prova
cabal de que os homens não comunicam fielmente a suposta revelação original.
Donde se justifica a afirmação do vigário: “Desde que os povos tiveram a idéia
de fazer Deus falar, cada um o fez falar à sua maneira e fê-lo dizer o que
quis. Se só tivessem ouvido o que Deus diz ao coração do homem, nunca teria
havido mais do que uma religião na terra.”
Com isso,
põe-se em xeque não apenas os intermediários da revelação, mas também a própria
definição de “verdade”. Afinal, como explicar que aquilo que é “verdade” para
uma seita pode não ser “verdade” para outra? Seria a verdade múltipla e não
única? E, se cada um segue a sua própria verdade, como Deus pode ser justo ao
julgar os homens de acordo com critérios particulares e não universais? Nessa
mesma linha de raciocínio, Rousseau critica a falta de universalidade dos
milagres como prova da revelação (para os cristãos, são os milagres que
testificam a doutrina). Rousseau lembra que os milagres nunca ocorrem perante
um número grande de pessoas, o que o leva a se perguntar se não seria muito
mais fácil reconhecer os prodígios realizados em público do que meros relatos
escritos de acontecimentos sobrenaturais supostamente testemunhados por apenas
alguns. Em última instância, o problema continua sendo a intermediação dos
homens, donde se compreende a exclamação do vigário: “Quantos homens entre mim e Deus!”.
David Hume, filósofo escocês, é autor de História Natural da Religião. No livro, ele vê a religião natural como simples e baseada em dogmas
que são verdades aceitáveis pela razão e não revelações, retirando de cena os
intérpretes também criticados por Rousseau.
Enfim, as passagens citadas, tanto do Emílio quanto Do Contrato, parecem mais do
que suficientes para considerarmos Rousseau um crítico do cristianismo. Tanto é
assim que, logo após a publicação do Emílio, o arcebispo de
Paris, Christophe de Beaumont, escreveu uma carta pastoral condenando o texto
de Rousseau como blasfematório, ímpio e cheio de heresias.
Crítico ou defensor?
Contudo, é preciso observar que, nesse mesmo texto da Profissão
de fé, após criticar duramente as religiões históricas, o vigário
se coloca (surpreendentemente, à primeira vista) também na posição de um
admirador da moral dos Evangelhos, ou seja, ele passa a falar como um cristão
que acredita na revelação! O vigário afirma com todas as letras: “Confesso-te
também que a majestade das Escrituras espanta-me, que a santidade do Evangelho
fala ao meu coração. Vê os livros dos filósofos com toda a sua pompa: como são
pequenos perto dos Evangelhos! É possível que um livro ao mesmo tempo tão
sublime e tão simples seja obra dos homens?”.
Como
entender que um crítico das revelações em geral possa mudar abruptamente de
posição em seu discurso, passando a elogiar uma revelação particular, e, o que
é mais intrigante, justamente a revelação cristã que Rousseau tanto critica?
Antes de
tudo, devemos observar que essa mudança de posição — de crítico para defensor
da Religião — não representa uma contradição no discurso, uma vez que não se
trata na Profissão de fé de defender um ou outro partido, nem
tampouco de negar a crítica racional aos mediadores da revelação feita nos
parágrafos anteriores, e sim de fazer a contraposição entre dois pontos de
vista: o de crítico das religiões e o de admirador sincero dos Evangelhos. É
precisamente essa estratégia engenhosa de abordagem do problema que torna o
texto de Rousseau notável: partindo do fato de que cada um defende sua própria
verdade, o vigário saboiano assume duas posições contrárias — num primeiro
momento, a posição de crítico das religiões e, logo em seguida, a posição de
religioso.
E, por meio
dessa dupla representação, a personagem, em tom dramático, procura mostrar que,
comparadas as verdades de ambos os lados, não há como se decidir por um ou por
outro partido, sendo que, de modo geral, o melhor que cada seita tem a fazer é
ser tolerante em relação às verdades de todas as outras. É o que se verifica na
seguinte afirmação do vigário: “Quanto à revelação, se eu tivesse melhor
raciocínio, ou melhor, instrução, talvez percebesse a sua verdade, sua
utilidade para quem tem a felicidade de reconhecê-la; mas, se vejo a seu favor
provas que não posso combater, vejo também contra ela objeções que não consigo
resolver. Há tantas razões sólidas contra e a favor que, não sabendo o que
decidir, não a admito, nem a rejeito; rejeito apenas a obrigação de
reconhecê-la [...].”
Para Rousseau, o importante é que cada um se responsabilize pela própria
crença porque a escolha é sempre arbitrária e pessoal.
Devemos notar que essa estratégia retórica visa à
afirmação de um princípio de tolerância religiosa. Mas não se trata
de uma afirmação qualquer, como se fosse alguém assumindo a posição de uma
verdade (dentre tantas possíveis); trata-se, isto sim, de evidenciar em termos
lógicos a necessidade de cada partido assumir uma postura tolerante em relação
aos demais, independentemente de qual seja a verdade absoluta.
O vigário não defende simplesmente que é preciso ser
tolerante, isto é, ele não impõe a tolerância como um mandamento, pois, se
assim o fizesse, sua voz se perderia em meio às muitas vozes dissonantes dos
partidos, que se excluem mutuamente (ele seria o defensor do partido da
tolerância — haveria certamente os partidários da intolerância, que se oporiam
ao vigário); em vez disso, o que Rousseau faz é construir, por meio de uma
análise comparativa de duas posições contrárias, uma espécie de cena dramática (de
uma luta equilibrada e sem vencedores), na qual se evidencia a impossibilidade
lógica de escolher qualquer um dos lados.
Mas o mais importante é notar que o vigário constrói essa cena sem
precisar emitir juízos de valor, isto é, sem rotular um dos partidos como “falso”
e o outro como “verdadeiro”. Não deixa de ser significativo o que Rousseau
escreve em uma nota do texto: “Tão logo cada um pretenda ser o único a ter
razão, para escolher entre tantos partidos, será preciso escutar a todos, ou
seremos injustos.” É, portanto, a estratégia de comparar os partidos de modo
eqüitativo, apresentando argumentos suficientemente fortes para ambos os lados,
que confere à análise do vigário um aspecto de neutralidade:
pois, de certa forma, o caráter lógico da comparação anula os preconceitos, não
permitindo que nem mesmo o próprio vigário imponha seu ponto de vista
dogmaticamente, tornando-se ele também um intolerante.
Afirma o
vigário: “Afora isso, permaneço quanto a esse ponto numa dúvida respeitosa. Não
tenho a presunção de acreditar-me infalível; outros homens puderam decidir o
que me parece indeciso; raciocino para mim e não para eles; não os reprovo nem
os imito, seu juízo pode ser melhor do que o meu, mas não é culpa minha se não
é o meu.”
Notemos que
essas palavras expressam um estado de incerteza ou de falta de conhecimento
para a tomada de uma decisão absoluta. E, nessa condição, o vigário assume uma
atitude de reserva, permanecendo num estado de “dúvida respeitosa”, que implica
no reconhecimento dos limites da própria razão. Para o vigário, o importante é
que cada um se responsabilize pela própria crença, uma vez que, em última
instância, qualquer que seja o partido adotado, a escolha é sempre arbitrária e
pessoal, não podendo ser generalizada como regra a ser obedecida por todos.
Gandhi se assemelha
a Rousseau ao afirmar haver uma única verdade religiosa: “Creio que se
pudéssemos todos ler as escrituras das diferentes fés, sob o ponto de vista de
seus respectivos seguidores, haveríamos de descobrir que, no fundo, foram todas
a mesma coisa e sempre úteis umas às outras.”
Para Rousseau, de modo geral, o melhor que cada seita tem a fazer é ser
tolerante em relação às verdades de todas as outras.
Jerusalém na
história religiosa de judeus e de muçulmanos.
O judaísmo e o islamismo têm em comum o fato de serem religiões
monoteístas, cujos fundadores receberam um sinal de Deus para abandonar o
politeísmo (entre os judeus, Abraão e, entre os muçulmanos, Maomé), e de
considerarem Jerusalém um território sagrado. A ligação com a cidade vem da
história das duas religiões. Para os islâmicos, existem três cidades sagradas:
Meca, Medina e Jerusalém. Essa última é considerada o local onde o profeta
Maomé subiu ao céu em direção ao paraíso para encontrar com Moisés e Jesus.
Para os judeus, Abraão, em torno de 1.800 a .C, recebeu um sinal
de Deus para viver em Canaã (atual Palestina). É de sua descendência que nasce
Jacó, que tem o nome mudado para Israel.
Os doze filhos de Jacó formaram as doze tribos do povo judeu. Os judeus
migram para o Egito, onde são escravizados por 400 anos, libertam-se e fogem. A
fuga é liderada por Moisés, que recebe as tábuas dos Dez Mandamentos no Monte Sinai.
Depois de peregrinarem por 40 anos no deserto, recebem de Deus um sinal para
voltar à terra prometida (Canaã).
Jerusalém se torna um centro religioso no governo do rei Davi. Depois
disso, o povo judeu passa por duas diásporas, devido a invasões de seu
território, e se dispersa pelo mundo. Em 1948, conseguem criar o estado de
Israel, onde buscam retomar a antiga unidade do povo judeu e viver na terra
prometida por Deus.
Poderíamos pensar que essa apologia da moral cristã que
se encontra na Profissão de fé seja apenas a posição de uma personagem, o
vigário saboiano, e não a de Rousseau. Mas a resposta dada à carta condenatória
do arcebispo de Paris não deixa dúvida de que a profissão de fé do vigário é a
profissão de fé de Rousseau: “Sou cristão, Senhor Arcebispo, e sinceramente
cristão, segundo a doutrina do Evangelho. Sou cristão não como discípulo dos
padres, mas como discípulo de Jesus Cristo.” Jean-Jacques Rousseau, portanto,
não precisa deixar de ser cristão para criticar radicalmente as religiões
históricas — dentre as quais, o próprio cristianismo — e, baseado nessa
crítica, pregar a tolerância religiosa.
De volta ao presente.
Mas o quanto essa leitura da obra de Rousseau nos ajuda a compreender os
conflitos do Oriente Médio? Com relação à questão do fanatismo e da
intolerância, Rousseau mostra que não pode haver conciliação enquanto cada um
dos partidos defender sua própria “verdade” e acusar o partido contrário de
“mentira” e “erro”; mostra também que o indivíduo religioso e o indivíduo
político se confundem, e que não é possível buscar um acordo de paz sem
considerar o forte vínculo que amarra a Religião e a Política, haja vista a
impossibilidade de se distinguir, na idéia mesma de “verdade”, o que vem da
suposta revelação divina daquilo que os próprios homens acrescentaram segundo
suas opiniões e seus preconceitos.
Rousseau
era, em muitos aspectos, pessimista quanto à salvação do gênero humano: ao
longo de toda a sua vasta obra podemos perceber um profundo ceticismo no que se
refere a qualquer tipo de futuro feliz da humanidade. Rousseau acredita, não
sem tristeza, que o máximo a se fazer em termos de Política consiste em
retardar o fim inevitável, uma vez que a História, para ele, é sempre a
história da decadência e da corrupção das instituições. No entanto, é possível
extrair uma lição útil do discurso do vigário saboiano em sua Profissão de fé:
que não há como escapar dos efeitos nocivos da intolerância enquanto não houver
o reconhecimento de que, mesmo em meio às verdades supostamente reveladas pela
divindade, existem opiniões humanas misturadas, de tal modo que a política,
indissociável da Religião tanto para israelenses como para palestinos,
continuará a padecer dos males decorrentes dessa absurda convicção de que só os
outros podem se enganar.
Fonte:
Revista Filosofia, Thomaz Kawauche.