Ideias e
reflexões teóricas sobre a existência do homem, frequentemente tomada como
sinônimo de ser, apesar da diferença sugerida pela etimologia, são encontradas
na obra de diversos filósofos e pensadores ao longo da História, desde a
Antiguidade Grega clássica, como, por exemplo, em Sócrates (470 a .C.-399 a .C.), os estóicos, Santo
Agostinho (354- 430), Blaise Pascal (1623-1662), Nietzsche (1844-1900) e até,
já no século 20, Henri Bergson (1859-1941), que nem por isso chegam a ser
relacionados entre os filósofos existencialistas. Aliás, muitos dos filósofos e
artistas identificados por críticos e historiadores como “existencialistas” não
necessariamente concordavam com essa classificação — Albert Camus, por exemplo,
seria um existencialista ou um absurdista? Mas essas divergências, críticas e
ponderações fazem parte do seu próprio processo de elaboração filosófica e
criativa.
A propósito, o rótulo de “existencialista” foi aplicado, no
Brasil da década de 1940, à personagem-título da marchinha “Chiquita
Bacana”, aquela “lá da Martinica”, que se vestia “com uma casca de
banana-nanica” (...). Foi a fórmula bem-humorada (e consagrada no Carnaval de
1949), que os autores acharam para falar do tema mais abordado pela imprensa da
época: o “existencialismo”, que era moda na capital francesa, onde, desde as
vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, grupos de jovens boêmios - os “existencialistas”
- costumavam se reunir para discutir, ouvir “jazz” e dançar nos cafés e boates
do bairro parisiense de Saint-Germain-des-Près.
Em geral considera-se como precursor do movimento, ainda no
século 19, o filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855), alinhado ao
chamado “existencialismo cristão”. Também foram relevantes, como fontes de
inspiração para o desenvolvimento do pensamento existencialista, os trabalhos
de Arthur Schopenhauer (1788-1860), Fiódor Dostoiévslci (1821-1881) e Edmund
Husserl (1859-1938).
O existencialismo foi difundido, em especial a partir das
décadas de 1940 e 1950, pelas obras filosóficas e literárias de Jean-Paul Sartre,
Simone de Beauvoir e Albert Camus. Ao lado destes, costumam ser classificados
como autores existencialistas (embora Camus, por exemplo, discordasse de sua
inclusão no grupo), entre outros, Gabriel Marcel (francês, 1889-1973), Karl
Jaspers (alemão, 1883-1969), Martin Heidegger (alemão, 1889-1976), Martin Buber
(1878-1965), Jean Wahl (1888-1974), Maurice Merleau-Ponty (1908- 1961), Jose de
Ortega y Gasset (1883-1955), Miguel de Unamuno (1864- 1936), Nikolai Berdyaev
(1874- 1948) e Lev Shestov (1866-1938).
Fundamentos do existencialismo
O
existencialismo pode ser conceituado como uma corrente de pensamento filosófica
e literária que tem suas origens no século 19, com o pensamento de Kierkegaard
e sua expressão máxima nas décadas de 1940 e 50, com a análise de Jean-Paul
Sartre sobre a filosofia heideggeriana. Considerando cada ser humano como
único, e senhor absoluto de seu destino e de suas atitudes, o existencialismo
salienta a subjetividade, a responsabilidade e a liberdade individual do homem,
que este só pode esquecer por má-fé.
Para
Sartre, esse é um mecanismo (a má-fé) pelo qual o homem procura se defender da
angústia que a consciência da liberdade provoca. Todavia, por meio dessa defesa
equivocada, nos distanciamos de nosso projeto pessoal, incorrendo no equívoco
de explicar nossos fracassos pela interferência de fatores externos como Deus,
o destino, os astros ou a sorte. Nesse contexto, inclusive a teoria do
inconsciente, formulada por Sigmund Freud (1856-1939), era considerada um
exemplo de má-fé. Podemos dizer que, para os existencialistas, a má-fé
representava uma forma do ser humano de mentir para si próprio. Para assumir
sua completa consciência e a autêntica responsabilidade por suas escolhas, é
indispensável, portanto, renunciar à má-fé. Ao fazer isso, invariavelmente o
homem passa a viver num estado de angústia, mas em compensação retoma, no
sentido mais pleno, a condição de senhor de sua liberdade.
“Da
forma pela qual é entendido pelo pensamento existencialista, o ser humano, se
não admite seu enquadramento em qualquer definição é porque inicialmente ele
ainda não é nada. Somente virá a ser num estágio posterior”.
Sören Kierkegaard
Sören
Aabye Kierkegaard nasceu na Dinamarca. Aos 17 anos matriculou-se na
Universidade de Copenhague, onde, durante seus estudos de teologia,
concentrou-se mais em matérias como literatura e filosofia. Embora tenha
publicado diversos artigos em sua juventude e nos tempos universitários, até
1841, considera-se que sua obra-prima é “Temor e Tremor”, de 1843, escrito em
sua estadia na Alemanha.
Sua vida e
obra foram marcadas por conflitos e angústias decorrentes, nos primeiros
tempos, de seu difícil relacionamento com o pai austero e devoto (falecido em
1838) e do rompimento do noivado. Essa inquietação o levou a desenvolver uma
intensiva meditação acerca da existência humana como caminho para transformá-la.
Defendia que “a verdade é a subjetividade”, concepção que fez com que avaliasse
as relações entre criatura e Criador, a partir de sua própria experiência.
Segundo ele, a existência humana passa pelas etapas estética, ética e
religiosa, sendo esta última (associada ao Cristianismo) a mais elevada. Dentre
seus outros livros, pode-se mencionar “O Alternativo e Repetição” (ambos
de 1843), “Migalhas Filosóficas” e “O Conceito de Angústia” (1844), “As
Etapas no Caminho da Vida” (1845) e “O Desespero Humano” (1849).
“A real natureza do desespero é não saber que é desespero” é uma máxima de sua
angustiada filosofia. Kierkegaard morreu na capital dinamarquesa em 1855.
Trechos selecionados
“O
existencialismo ateu, que eu represento, é mais coerente. Afirma que, se Deus
não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um
ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o
homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. O que significa, aqui, dizer
que a existência precede a essência? Significa que, em primeira instância, o
homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se
define. O homem, tal como o existencialista o concebe, só não é passível de uma
definição porque, de início, não é nada: só posteriormente será alguma coisa e
será aquilo que ele fizer de si mesmo. Assim, não existe natureza humana, já
que não existe um Deus para concebê-la. O homem é tão somente, não apenas como
ele se concebe, mas também como ele se quer, como ele se concebe após a
existência, como ele se quer após esse impulso para a existência. O homem nada
mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo: é esse o primeiro princípio do
existencialismo. É também a isso que chamamos de subjetividade: a subjetividade
de que nos acusam. Porém, nada mais queremos dizer senão que a dignidade do
homem é maior do que a da pedra ou da mesa.” Jean Paul Sartre, “O
Existencialismo é um Humanismo” (Tradução: Rita Correia Guedes).
De acordo
com o pensamento existencialista, a existência tem prioridade sobre a essência,
conceito que se materializa na famosa afirmação de Sartre de que “a existência
precede a essência”. Essa definição instaura precisamente valores fundamentais
como a liberdade e a responsabilidade do ser humano, já mencionadas.
(Lembram-se da Chiquita Bacana e da epígrafe, que “só faz o que manda seu
coração”?) Ou seja, quer dizer que o homem não possui uma essência antes de
tudo, preexistente e da qual ele seria refém, e sim que ele existe primeiro,
antes de poder ser enquadrado em qualquer conceito, e somente será aquilo que
ele próprio decidir ser, quando, no dizer do filósofo André Comte-Sponville, “puder
falar de sua essência no passado”. Em outras palavras, o ser humano é
absolutamente livre, primeiro existe, aparece no mundo, encontra a si mesmo e
só depois vai se definir. Dessa maneira, da forma pela qual é entendido pelo
pensamento existencialista, o ser humano, se não admite seu enquadramento em
qualquer definição, é porque inicialmente ele ainda não é nada. Somente virá a
ser num estágio posterior. De acordo com Sartre, na conferência de 1946 no Club
Maintenant em Paris, em que propôs o existencialismo como um humanismo, “assim,
não há natureza humana, pois que não há Deus para concebê-la. (...) O homem não
é nada além do que ele se faz”. Tem-se, portanto, que o existencialismo é, no
sentido metafísico do termo, uma filosofia da liberdade, das mais radicais
que já houve. Diante da liberdade completa (que inclui a de ação, da vontade e
de espírito), o homem tende a se angustiar, pois significa que só ele é
responsável por suas escolhas. Não raro, sobrevém uma paralisia, a abstenção de
fazer as opções necessárias. Mas esse “não fazer, que evita os riscos e a culpa
e adia a existência, já é uma escolha, infelizmente comum em nossa sociedade.
Correr riscos em busca da autenticidade é uma tarefa difícil, que exige
coragem. É uma jornada pessoal e intransferível, que o homem deve empreender
para encontrar a si próprio. Sartre escreveu: “Toda pessoa é uma escolha
absoluta de si”.
Não se deve encarar o
existencialismo como sendo uma escola de pensamento sem nenhuma ligação com
toda e qualquer forma de fé, até porque diversos de seus principais
representantes foram, de fato, pessoas religiosas, como Kierkegaard, que era um
protestante radical caracterizado por um severo antagonismo contra a igreja
luterana.
Filosofia e religião
No que diz
respeito às relações com a religião, embora vários, senão a maior parte, dos
pensadores existencialistas tenham sido ateístas, como Sartre, alguns filósofos
ligados ao movimento adotaram um enfoque, digamos, teológico do mesmo. Como
exemplos desse ponto de vista, pode-se citar, além de Kierkegaard; Jaspers e
Marcel. O russo Nikolai Berdyaev, ex-adepto do marxismo, apresentou a
fundamentação teórica de um cristianismo existencialista, primeiro em seu país
de origem, e posteriormente na França, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Nikolai
Alexandrovitch Berdyaev foi um filósofo russo, nascido em Kiev, na Ucrânia, em
1874. Na década de 1930, após formular críticas ao racionalismo e uma vez
rompida sua vinculação à ideologia pregada por Karl Marx (1818- 1883), propôs a
volta ao misticismo, frente às modernas formas do pensamento materialista. Foi
banido da então União Soviética, refugiando-se na França, onde veio a falecer
na cidade de Clamart, em 1948. Deixou os livros “A Filosofia da Liberdade”
(1911) e “Cristianismo e Revolta Social” (1934).
Assim, não
se deve encarar o existencialismo como sendo uma escola de pensamento sem
nenhuma ligação com toda e qualquer forma de fé, até porque diversos de seus
principais representantes foram, de fato, pessoas religiosas, como o mencionado
Kierkegaard, que era um protestante radical caracterizado por um severo antagonismo
contra a igreja luterana. Dentre os inspiradores do movimento, tem-se Dostoievski,
que professava a fé ortodoxo-grega. Quanto a Sartre, embora não tenha sido
criado sem religião, efetivamente não acreditava em força divina. No entender
dos existencialistas cristãos, a fé funciona como defesa individual, orientando
as ações humanas e as decisões a serem tomadas com um conjunto de normas
religiosas.
Jean- Paul Sartre
Jean Paul
Charles Aymard Sartre nasceu em Paris em 21 de junho de 1905, órfão de pai com
menos de dois anos de idade, passou a morar com o avô materno, em cuja
biblioteca teve acesso, já na infância, a obras clássicas francesas e alemãs.
Assim, desde cedo, pôde desenvolver sua inclinação pela literatura. Por volta
dos 17 anos, começou a manifestar interesse por filosofia, ingressando na
Escola Normal Superior em 1924. Quatro anos mais tarde conheceu Simone de
Beauvoir, que, embora não tenha se casado com ele, se tornou sua grande
companheira de vida e trabalho. Como bolsista, passou o ano de 1933 em Berlim,
onde teve contato com as ideias de Husserl, Heidegger e Jaspers. Também naquela
ocasião, já tendo publicado alguns contos, Sartre trabalhou no ensaio “A
Transcendência do Ego” e em sua primeira novela, “A Náusea”, que
seriam editados, respectivamente, em 1936 e 1938. Sartre lecionou filosofia por
oito anos, até 1944. Em 1940, na guerra, foi preso pelos alemães, enviado a um
campo de concentração e libertado no ano seguinte. De volta a Paris, conheceu
Albert Camus, com o qual viveu uma grande amizade de cerca de dez anos,
terminada por divergências políticas. Em 1943, Sartre publicou “O Ser e o
Nada”, síntese de princípios filosóficos e literários. Em 1945, fundou, com
Merleau-Ponty, a revista “Tempos Modernos”. Em 1952, entrou para o Partido
Comunista Francês, com o qual rompeu em 1956. Em 1964 recusou o Prêmio Nobel de
Literatura, dizendo que um escritor não deveria ser convertido em instituição.
Além dos títulos mencionados, sua vasta obra inclui “As Mãos Sujas” (1946), “A
Prostituta Respeitosa” (1946), “O Diabo e o Bom Deus” (1948), “Crítica
da Razão Dialética” (1960) e “As Palavras” (1964). Faleceu em
Paris aos 74 anos, em 15 de abril de 1980.
Trechos selecionados
“Tudo isso
permite-nos compreender o que subjaz a palavras um tanto grandiloquentes como
angústia, desamparo, desespero. Como vocês poderão constatar, é extremamente
simples. Em primeiro lugar, como devemos entender a angústia? O existencialista
declara frequentemente que o homem é angústia. Tal afirmação significa o
seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas
aquele que escolheu ser, mas também um legislador que escolhe simultaneamente a
si mesmo e a humanidade inteira, não consegue escapar ao sentimento de sua
total e profunda responsabilidade. É fato que muitas pessoas não sentem
ansiedade, porém nós estamos convictos de que essas pessoas mascaram a
ansiedade perante si mesmas, evitam encará-la; certamente muitos pensam que, ao
agir, estão apenas engajando a si próprios e, quando se lhes pergunta: mas se
todos fizessem o mesmo? Eles encolhem os ombros e respondem: nem todos fazem o
mesmo.” (Jean-Paul Sartre, “O Existencialismo É um Humanismo”, Tradução: Rita Correia
Guedes)
Já os ateus destacam a contradição de que a deterioração e a
morte são sempre os resultados finais, não importando o esforço que se faça
para melhorar a si ou aos outros. Muitos existencialistas creem que a grande
vitória do indivíduo consiste em perceber e aceitar o absurdo e a miséria da
vida. Por essa vitória, o homem pode ou não ser recompensado, ao fim, por uma
força superior. Se essa força existe, o que explica o sofrimento humano? Se não
existe, e a vida é mesmo absurda e miserável, por que não abreviar o
sofrimento, por meio do suicídio?
Tais questões servem apenas como introdução à complexidade
do pensamento existencialista. Para Sartre, “Se Deus não existe, há pelo menos
um ser, (...) que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e
que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana”.
Martin Heidegger, filósofo nascido na Alemanha em 1889, é
considerado um dos mais importantes pensadores ocidentais do século 20, tendo
influenciado a obra de vários outros. Estudou na Universidade de Freiburg junto
com o também filósofo Husserl, de quem se tomaria assistente. Filiou-se ao
partido nazista em 1933 e foi nomeado reitor da Universidade, cargo de que
viria a demitir-se em poucos meses. Destacou-se em seus estudos sobre
ontologia, tendo como obra fundamental “O Ser e o Tempo”, publicada quando ele
tinha apenas 28 anos. Escreveu ainda “Que é Metafísica?” (1929) e “Introdução à
Metafísica” (1953). Faleceu em 1976.
Em
síntese, para esse existencialista, não há desculpas: se não existe Deus ou
natureza a quem se possa atribuir eventuais erros, a liberdade é incondicional
e é isso que Sartre quer dizer quando fala dela como uma sentença a que o homem
não pode escapar: “Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto,
livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer”.
A vida e o homem livre
Em “A
Náusea” (1938), sua primeira novela, Sartre conclui eticamente sobre seus
estudos de fenomenologia: se a vida é isso que está aí, se é como a percebemos,
ela não passa de um caos impossível de apreender pela nossa inteligência, é
monstruosa, repulsiva e completamente aleatória: tudo é absurdo e desprovido de
sentido. Nesse livro, e nos volumes “A Transcendência do Ego” (1936), “A
Imaginação” (1936), “Esboço de uma Teoria das Emoções” (1939), “O
Imaginário” (1940) - todos de ensaios - e em “O Muro” (contos,
1939), pode-se identificar essencialmente o mesmo raciocínio, que iria desaguar
na obra-prima “O Ser e o Nada” (O livro, iniciado em 1939 nas frentes de
batalha da Segunda Guerra Mundial, em que Sartre serviu como meteorologista do exército
francês, foi interrompido por um ano em decorrência de o autor ter sido
aprisionado pelas tropas alemãs e enviado a um campo de concentração nazista.
Finalmente concluído, foi lançado em 1943 pela editora Gallimard em um volume
de mais de 700 páginas, (1943), com o subtítulo “Ensaio de Ontologia Fenomenológica”,
e converteu-se num grande “bestseller” da história da filosofia: em 15 anos,
esgotou nada menos de 55 edições). O livro, resumindo o pensamento do autor
àquela época, foi praticamente responsável pela divulgação dos conceitos
fundamentais do existencialismo, que iriam dominar a intelectualidade francesa
no pós-guerra. Nesse trabalho, o próprio Sartre admitiu ter estudado a
existência “de um ponto de vista inteiramente novo”, recorrendo ao método de
Husserl para uma análise minuciosa da realidade humana, “tal como ela se
manifesta”.
Já na
introdução, Sartre estabelece os princípios husserlianos que irá utilizar, dividindo
a existência em duas regiões: o mundo das coisas materiais (seres “em-si”),
compreendendo quaisquer objetos existentes com uma essência definida e que
povoam o mundo; e o mundo da consciência (seres “para-si”), “a única aventura
possível de ser”. O ser “em-si” não tem consciência de si ou do mundo, nem tem
potencialidades. É algo que somente “está aí”, apenas “é”, de modo inerte e
frouxo, fechado em si mesmo. Os objetos do mundo se apresentam à consciência do
homem por meio de suas manifestações físicas, os fenômenos. Já a consciência
humana é um ser de outro tipo, o “para-si” (É um ser que conhece a si próprio e
ao mundo. Constrói um sentido para seu mundo à medida que estabelece as
relações - funcionais e temporais - entre os seres “em-si”. O “para-si” não é
só mais uma coisa entre as coisas do mundo, pois, contrariando a escola
fisiologista, a consciência não é apenas uma espécie de “fluido” produzido pelo
cérebro, porém possui outra natureza. É um puro ponto de vista, sem substância
sobre o mundo do “em-si”. A consciência transcende o mundo. Assim, o “para-si”
não tem essência definida, nem resulta de uma ideia preexistente). O
existencialismo sartreano desconsidera um Criador que tenha predeterminado a
essência e os fins individuais. A existência do “para-si” é necessária e é ele
quem define sua essência, a cada instante daquela. O que uma pessoa já viveu,
seu ser passado, constitui sua essência: é um “em-si”, porque possui uma
essência conhecida, embora não predeterminada, que só existe no passado.
Sartre
estuda também as relações humanas, o “estar em presença de outros”, que representa
um dos atributos básicos do ser “para-si”. Nesse panorama, destacam-se
novamente as angustias e os conflitos, porque o ser humano está condenado a
coexistir com seus semelhantes, cuja liberdade acaba constituindo uma limitação
e, de certa forma, uma ameaça à sua própria
Reafirmando
a prevalência da existência sobre a essência, o existencialismo volta a propor
que cada ser “para-si” tem a liberdade de fazer de si mesmo o que ele bem
entenda.
O absurdismo
Muitas
vezes confundido com o existencialismo e o niilismo, embora essas correntes se
filiem a uma certa tradição filosófica em comum, o absurdismo ou filosofia do
absurdo tem traços marcantes. Um dos seus precursores foi o filósofo
dinamarquês Sören Kierkegaard - não por acaso também uma das bases do
existencialismo. Uma das definições possíveis da palavra “absurdo” é “o contra
da razão”, de modo que a ideia central do absurdismo é a impossibilidade do
homem de captar os significados da existência em sua universalidade, e que
esses esforços filosóficos e científicos na busca por um “sentido” naufragarão.
O grande divulgador da corrente absurdista no século 20 foi o ensaísta,
romancista e filósofo Albert Camus, cujo livro “O Mito de Sísifo”, de 1942,
demarca uma linha de separação com o movimento existencialista e toca naquela
que Camus denominou como a única questão filosoficamente séria: o suicídio. É
fundamental lembrar que Camus e Ernil Cioran (outro pensador associado à
corrente) escreveram suas principais obras em um momento de completa devastação
da Europa durante e após a Segunda Guerra Mundial. O ambiente era de pobreza,
destruição, descrença e incertezas. Um terreno propício para esse tipo de
filosofia.
Trechos selecionados
“Não é por nosso pessimismo que nos acusam, mas,
no fundo, pela dureza de nosso otimismo. Se certas pessoas nos censuram por
desenvolvermos seres pusilânimes, fracos, covardes, e, por vezes, francamente
maus, em nossas obras de ficção, não é unicamente porque eles são pusilânimes,
fracos, covardes ou maus, pois, se fizéssemos como Zola e declarássemos que
eles assim são devidos à hereditariedade, por influência do meio, da sociedade,
por um determinismo orgânico ou psicológico, todos se tranquilizariam e diriam:
aí está, somos assim e ninguém pode fazer nada; o existencialista, porém,
quando descreve um covarde, afirma que esse covarde é responsável por sua
covardia. Ele não é assim por ter um coração, um pulmão ou um cérebro covardes;
ele não é assim devido a uma qualquer organização fisiológica; mas é assim
porque se construiu corno covarde mediante seus atos. Não existe temperamento
covarde; existem temperamentos nervosos, existem pessoas que têm 'sangue fraco'
como diz o povo; ou temperamentos ricos; mas o homem que tem sangue fraco nem
por isso é um covarde, pois o que cria a covardia é o ato de renunciar ou de
ceder: um temperamento não é um ato e o covarde se define pelos atos que
pratica”. (Jean-Paul Sartre, “O Existencialismo é um Humanismo”, Tradução: Rita
Correia Guedes).
O outro, As críticas, A influência
Sartre
estuda também as relações humanas, o “estar em presença de outros”, que
representa um dos atributos básicos do “ser para-si”. Nesse panorama,
destacam-se novamente as angústias e os conflitos, porque o ser humano está
condenado a coexistir com seus semelhantes, cuja liberdade acaba constituindo
uma limitação e, de certa forma, uma ameaça à sua própria. Enquanto está
sozinha, a consciência do homem pode reinar como senhora absoluta de seu
destino e usufruir em plenitude de uma liberdade que desconhece barreiras. Isso
se transforma radicalmente na presença do outro, cuja subjetividade passa a ser
mais uma entre as coisas do mundo. Ao contrário da situação anterior, essa nova
coisa não é apenas mais uma que se oferece passivamente à minha apreciação, mas
ela, ao mesmo tempo, me identifica, não mais como o sujeito que eu era, mas
como objeto de seu inundo. Sou, de certo modo, paralisado pelo meu próprio
olhar, como no mito da Medusa. Passo a ser observado e julgado com a liberdade
do pensamento alheio, sobre o qual não tenho nenhum poder de influência. Ou
seja, o outro pode pensar qualquer coisa sobre mim, independente da minha
vontade ou controle, o que representa uma ameaça permanente. A liberdade alheia
é um perigo para a minha, que também a põe em risco. Daí a fala da peça teatral
de Sartre, “Entre Quatro Paredes” (1944): "O inferno são os
outros".
Sobre as
críticas ao existencialismo, opina Manuel Costa Pinto, jornalista e autor de “Albert
Camus: um Elogio do Ensaio” (Ateliê): “Dentre as correntes modernas da
filosofia, poucas foram tão prejudicadas por seu engajamento, por sua práxis
política, quanto o existencialismo de Sartre. É frequente ouvirmos elogios à
obra teatral e ficcional do autor ao lado de ressalvas de que seu pensamento envelheceu
junto com as utopias comunistas, incluindo a vertente maoísta à qual ele aderiu
no fim da vida. A crítica mais consistente ao existencialismo o define como uma
filosofia da consciência ou da subjetividade, à qual estruturalista e
pós-estruturalistas contrapõem a ideia de que tudo (inclusive consciência e
subjetividade) decorre de estruturas abstratas e impessoais. (Estruturalistas: Partidários
ou seguidores do estruturalismo, corrente de pensamento derivada da linguística
da obra de Ferdinand de Saussure (1857-1913), no início do século passado e
difundida a partir da capital francesa nos anos 1960. O estruturalismo sucedeu
o existencialismo - ao qual se opunha - como modismo, “última palavra” entre os
intelectuais franceses. Naquele país, destacaram-se entre os principais pensadores
estruturalistas, Claude Lévi-Strauss (1908-2009), Michel Foucault (1926-1984),
Jacques Lacan (1901-1981) e Louis Althusser (1918-1990). Esses teóricos
descrevem o ser e os fenômenos humanos como efeitos de estruturas ou sistemas,
em vez de subjetividade ou de criação). Tal crítica seria válida se o exame
existencialista do funcionamento da consciência tivesse uma positividade, descrevesse
um ente natural ou psíquico. No entanto, a consciência, para Sartre, é menos
uma máquina de produção de sentido a partir do aparato perceptivo humano do que
um movimento em que o ser é dado por sua percepção do nada, das virtualidades
contidas no existente”.
Embora sofrendo restrições, a contribuição do
existencialismo à formação do pensamento contemporâneo não deve ser minimizada.
O movimento influenciou e segue inspirando criadores de vários segmentos. Como
fenômeno cultural, o existencialismo demonstra vitalidade, influindo inclusive
na música jovem a partir dos anos 1970, como nos movimentos góticos e, mais
recentemente, em diversos autores literários e criadores de diferentes formas
artísticas, como, por exemplo, o cineasta Woody Allen, cujo humor é pincelado pelo
existencialismo. No artigo “A ironia e o absurdo na ficção de Woody Allen”
(2008), o pesquisador Felipe Mansur lembra o apreço do cineasta e escritor por
Sartre, Camus e Kierkegaard. De acordo com Allen, todos esses autores têm uma escrita
pesada: Uma escrita com peso, angústia, liberdade, sofrimento, vida. Humanismo
e existência.
Fonte:
Conhecimento prático Filosofia, Sergio Amaral Silva.