A Sofística.
Após
as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa,
houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as
vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o
domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar
o povo pela persuasão, compreende-se a importância que, em situação
semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os mestres de
eloquência. Os sofistas, sequiosos de conquistar fama e riqueza no
mundo, tornaram-se mestres de eloquência, de retórica, ensinando
aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo.
Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos
sofistas não era ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído.
O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a cultura, uma
enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos
e empíricos e, portanto, superficial.
A
época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade
do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital
democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas
maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até
depois de Sócrates, embora sem importância filosófica.Protágoras
foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.
Moral, Direito e Religião.
Em
coerência com o ceticismo teórico, destruidor da ciência, a
sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como
é verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao
sentimento, ao impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao
sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo e o
utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de
conduta é o interesse particular. Górgias declara plena indiferença
para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos unicamente a
arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não
lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta -
é concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano,
isto é, como a lei que potencia profundamente a natureza humana, mas
como um empecilho que incomoda o homem.
Desta
maneira, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre
natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como
fruto arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e
entendendo por natureza, não a natureza humana racional, mas a
natureza humana sensível, animal, instintiva. E tentam criticar a
vaidade desta lei, na verdade tão mutável conforme os tempos e os
lugares, bem como a sua utilidade comumente celebrada: não é
verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens felizes,
pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm frequentemente
conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina
que para triunfar no mundo, não é mister justiça e retidão, mas
prudência e habilidade.
Então
a realização da humanidade perfeita, segundo o ideal dos sofistas,
não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo, na
justiça para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da
própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens.
Esse domínio violento é necessário para possuir e gozar os bens
terrenos, visto estes bens serem limitados e ambicionados por outros
homens. É esta, aliás, a única forma de vida social possível num
mundo em que estão em jogo unicamente forças brutas, materiais.
Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os
fracos, pois a verdadeira justiça conforme à natureza material,
exige que o forte, o poderoso, oprima o fraco em seu proveito.
Quanto
ao direito e à religião, a posição da sofística é extremista
também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística
move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes
arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas
este direito natural - bem como a moral natural - segundo os
sofistas, não é o direito fundado sobre a natureza racional do
homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva, passional.
Então, o direito natural é o direito do mais poderoso, pois em uma
sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a força e a
violência podem ser o único elemento organizador, o único sistema
jurídico admissível.
A
respeito da religião e da divindade, os sofistas não só trilham a
mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período
precedente e posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles -
chegam até o extremo, até o ateísmo, pelo menos praticamente. Os
sofistas, pois, servem-se da injustiça e do muito mal que existe no
mundo, para negar que o mundo seja governado por uma providência
divina.
Protágoras de Abdera.
Protágoras
nasceu em Abdera - pátria de Demócrito , cuja escola conheceu -
pelo ano 480. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua cidade
natal, na Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve grande
êxito, sobretudo entre os jovens, e foi honrado e procurado por
Péricles e Eurípedes. Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas,
onde foi processado e condenado por impiedade, e a sua obra sobre os
deuses foi queimada em praça pública. Refugiou-se então na
Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.), dos quais,
quarenta dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e
das variações da sensação, conforme as disposições subjetivas
dos órgãos, inferiu Protágoras a relatividade do conhecimento.
Esta doutrina enunciou-a com a célebre fórmula; o homem é a medida
de todas as coisas. Esta máxima significava mais exatamente que de
cada homem individualmente considerado dependem as coisas, não na
sua realidade física, mas na sua forma conhecida. Subjetivismo,
relativismo e sensualismo são as notas características do seu
sistema de ceticismo parcial. Platão deu o nome de Protágoras a um
dos seus diálogos, e a um outro o de Górgias.
Górgias de Leôncio.
Górgias
nasceu em Abdera, na Sicília, em 480-375 a.C - correlacionado com
Empédocles - representa a maior expressão prática da sofística,
mediante o ensinamento da retórica; teoricamente, porém, foi um
filósofo ocasional, exagerador dos artifícios da dialética
eleática. Em 427 foi embaixador de sua pátria em Atenas, para pedir
auxílio contra os siracusanos. Ensinou na Sicília, em Atenas, em
outras cidades da Grécia, até estabelecer-se em Larissa na
Tessália, onde teria morrido com 109 anos de idade. Menos profundo,
porém, mais eloquente que Protágoras, partiu dos princípios da
escola eleata e concluiu também pela absoluta impossibilidade do
saber. É autor duma obra intitulada "Do não ser",
na qual desenvolve as três teses:
"Nada
existe; se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer; se a
conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros.
A prova de cada
uma destas proposições e um enredo de sofismas, sutis uns, outros
pueris."
No
"Górgias" de Platão, Górgias declara que a sua arte produz a
persuasão que nos move a crer sem saber, e não a persuasão que nos
instrui sobre as razões intrínsecas do objeto em questão. Em suma,
é mais ou menos o que acontece com o jornalismo moderno. Para
remediar este extremo individualismo, negador dos valores teoréticos
e morais, Protágoras recorre à convenção estatal, social, que
deveria estabelecer o que é verdadeiro e o que é bem!
Fonte:
http://www.mundodosfilosofos.com.br.