“Se
voltamos os olhos para o passado e contemplamos a totalidade da
existência humana, o surgimento da filosofia e de filósofos parece
um fenômeno realmente bastante estranho, uma secreção etérea que
não pode ser explicada em termos de fisiologia ou de necessidade
física. Talvez essa atividade notoriamente “inútil” fosse um
subproduto de nossos cérebros avantajados, o resultado de
pensamentos que ultrapassam as rotinas cotidianas e olham para além
de si. A filosofia representou, sem dúvida, uma complicação a mais
em nosso uso crescente da linguagem, à medida que um vocabulário
rico de conceitos abstratos e subjetivos substituiu nossos grunhidos
e rosnados utilitários e expressivos. Mas ideias filosóficas, de
alguma forma – ideias sobre a natureza, suas forças e questões,
sobre a morada da alma na vida após a morte, por exemplo –, são
praticamente universais e podemos encontrar sua origens há dezenas
de milhares de anos, na pré-história. Os homens de Neandertal
tinham rituais de sepultamento e práticas que sugerem uma crença na
continuidade da vida após a morte. Ideias sobre a existência e
espíritos, deuses e deusas, e seres ativos e forças além do
alcance da percepção humana direta têm também uma longa história.
A curiosidade acerca da natureza, não apenas como necessidade
prática mas como deslumbramento genuíno, remonta provavelmente a
Cro-Magnon. Várias concepções de identidade coletiva e justiça –
não só costumes e hábitos de vida em comum, mas mitos e
racionalizações do território, do poder e da comunidade –
antecedem sem dúvida a “civilização” por muitos séculos.
Em
algum momento entre os séculos 6 e 7 antes da era cristã, no
entanto, ideias filosóficas plenamente articuladas e sistemas de
pensamento começaram a aparecer em vários lugares esparsos do
globo. Em torno do Mediterrâneo e no Oriente Médio, na Índia e na
China, surgiram filósofos, grandes filósofos cujas ideias iriam
estabelecer os termos da filosofia em suas várias tradições por
milênios no futuro. No Oriente Médio, os antigos hebreus
desenvolveram sua concepção de um Deus uno e de si mesmos como o
“povo escolhido”. Na Grécia, filósofos elaboraram as primeiras
teorias científicas da natureza. Na China, os taoístas
desenvolveram uma visão muito diferente da natureza, enquanto
Confúcio criava uma poderosa concepção da sociedade e do indivíduo
virtuoso que rege o pensamento chinês até hoje. Na India antiga, os
primeiros teóricos hindus (os vedistas) comentavam a origem da
natureza e do mundo, tal como descrita nos Vedas, e especulavam sobre
ela, criando um rico panteão de deuses, deusas e ideias grandiosas.”
Além
de referir-se a épocas, Solomon e Higgins deixam claro que tipo de
questões e ideias formam o que chamamos de pensamento filosófico.
De acordo com alguns estudiosos, a filosofia inclui todo tipo de
especulação sobre a vida e a morte que o ser humano tenha
levantado, incluindo aí as reflexões de caráter religioso.
Para
outros filósofos, porém, o pensamento filosófico surge na Grécia,
por volta do século VI a.C., quando surgem as primeiras tentativas
de explicação natural (e não sobrenatural) para os fenômenos da
natureza. De fato, isso foi uma coisa nova e um dos momentos
essenciais ao desenvolvimento humano, que deram um enorme impulso ao
nosso conhecimento.
Os
primeiros filósofos gregos tentaram entender o mundo com o uso da
razão, sem recorrer à religião, à revelação, à autoridade ou à
tradição. Além disso, também eram professores que ensinavam seus
discípulos a usar a razão e a pensar por si mesmos. Eles os
encorajavam a discutir, argumentar, debater e propor ideias próprias.
Tendo
vivido entre o século 6 a.C e princípios do século 5 a.C., esses
filósofos mais antigos, dos quais poucos conhecimentos foram
conservados através dos tempos, são também chamados de
pré-socráticos, por que antecederam Sócrates, o primeiro
filósofo cujo método de pensar, bastante sistemático, foi
efetivamente preservado para a posteridade.
Não
se pode, porém, deixar de examinar, ainda que brevemente, o
pensamento dos pré-socráticos. Ainda que só nos restem fragmentos
de suas ideias, elas são surpreendentes. E não só por constituírem
uma grande novidade para a época em que elas foram formuladas, mas
também porque muitas delas ou conservam grande atualidade ou
encontraram ressonância em filósofos de milênios posteriores,
inclusive nossos contemporâneos.
Tales e Anaximandro.
Para
começar, pode-se mencionar Tales, da cidade de Mileto, na Ásia
Menor (atual Turquia). As datas de seu nascimento e morte são
ignoradas, mas sabe-se que ele atuou na década de 580 a.C. Tales de
Mileto se perguntou: "De que é feito o mundo?". Chegou à
conclusão de que ele era feito de um único elemento: a água.
Afinal, todas as coisas precisam de água para viver, é a chuva que
faz as plantas brotarem da terra e toda porção de terra termina na
água.
Hoje
sabemos que a resposta de Tales estava incorreta, mas não de todo.
Na verdade, a física moderna chegou a uma conclusão semelhante à
do antigo filósofo ao mostrar que todas as coisas materiais são
redutíveis à energia.
Um
discípulo de Tales, nascido na mesma cidade, Anaximandro (610
a.C.-546 a.C) desenvolveu outro raciocínio. Se a Terra fosse
sustentada pela água, esta, por sua vez, deveria ser sustentada por
outra coisa e assim sucessivamente, até o infinito. Disso,
Anaximandro concluiu que a Terra não era sustentada por nada, mas um
objeto sólido que flutuava no espaço e se mantinha em sua posição
graças a sua equidistância em relação a tudo mais.
Heráclito e Pitágoras.
Na
mesma época, outro filósofo de outra cidade grega, Heráclito de
Éfeso, desenvolveu dois raciocínios extremamente originais.
Primeiro, a da unidade entre os opostos. Heráclito percebeu que o
caminho para subir uma montanha é o mesmo para descer. Ou seja,
trata-se de um mesmo caminho, embora ela conduza a direções
opostas. A partir daí, o filósofo concluiu que a realidade surge
justamente da contradição.
Por
isso, a realidade é instável e está em constante movimento. "Tudo
flui", dizia Heráclito. Com isso, queria dizer que nada é
permanente. Ele comparava as coisas a uma chama que parece um objeto,
mas é muito mais um processo. Para ele, portanto, a mudança é a
lei da vida e do universo.
Pouco
antes de Heráclito, outro filósofo também se destacava na cidade
grega de Samos: Pitágoras. Supõe-se que ele tenha inventado o termo
"filosofia", pois se definia como um amigo (filo) do saber
(sofia). Com certeza, sabe-se que ele relacionou a filosofia à
matemática, acreditando que a linguagem matemática poderia
expressar com maior precisão as estruturas do universo.
Você
tem dúvidas de que ele estava certo? Claro que não. A relação
matemática/filosofia vingou, e chegou até física e aos filósofos
contemporâneos como Bertrand Russell e Alfred Whitehead. Antes de
seguir adiante, não se pode esquecer que Pitágoras é o autor do
famosíssimo teorema que leva seu nome: num triângulo retângulo, a
hiponenusa ao quadrado é igual à soma do quadrado dos catetos.
Aliás, foi Pitágoras o inventor da ideia de "quadrado" e
"cubo" de um número, traçando uma relação, até então
inexistente, entre geometria e aritmética.
Xenófanes e Parmênides.
Na
última metade do século 6 a.C., pontificou outro grande filósofo:
Xenófanes de Colofão. Para ele, o conhecimento é uma criação
humana. Nós jamais conhecemos a verdade, mas vamos nos aproximando
dela, à medida que aprendemos mais e vamos mudando nossas ideias, à
luz do que aprendemos.
Nesse
sentido, conhecer é fazer conjeturas que devem ser substituídas,
quando se revelarem ultrapssadas. Essa ideia foi a chave que permitiu
ao filósofo contemporâneo Karl Popper estabelecer os limites da
ciência.
Na
primeira metade do século 5 a.C., Parmênides, um discípulo de
Xenófanes, desenvolveu uma reflexão contrária à de Heráclito.
Parmênides considerou que é uma contradição afirmar que "nada
existe". Para ele, tudo sempre existiu. O mundo, portanto, não
tem princípio, nem foi criado: ele é eterno e imperecível. "Tudo
é um", dizia Parmênides, e o que parece mudança ocorre, na
verdade, no interior de um sistema fechado e imutável.
Empédocles e Demócrito.
Sem
discordar de Parmênides, Empédocles sustentava que tudo era
composto de quatro elementos essenciais e perenes: terra, água, ar e
fogo. Essa ideia influenciou o pensamento ocidental até o
renascimento e a ideia dos quatro elementos é bastante conhecida
ainda hoje, mesmo por quem não conhece história da filosofia.
Para
terminar esse breve panorama do pensamento pré-socrático, é
importante mencionar os filósofos Leucipo e Demócrito, chamados de
"atomistas". Foram eles que teorizaram que se fôssemos
reduzindo, por meio de cortes, qualquer coisa, chegaríamos a um
momento em que a coisa estaria tão diminuta que não poderia ser
cortada. Ou seja, chegaríamos ao átomo ("a" = prefixo de
negação; "tomo" = cortar).
Segundo
ambos, tudo que existe são átomos e espaço. As coisas são
diferentes entre si por que são diferentes combinações de átomos
no espaço. Mesmo que hoje saibamos que o átomo pode ser subdividido
em partículas menores do que ele mesmo, não há como negar o avanço
da concepção de Leucipo e Demócrito, não é mesmo?
Enfim,
os pré-socráticos refletiram sobre a natureza do mundo procurando
explicá-lo a partir de sua própria natureza e, se muito do que
pensarem pode ser considerado um absurdo hoje em dia, seu pensamento
inegavelmente foi o ponto de partida para o entendimento racional do
mundo.
Fonte: www.educacao.uol.com.br