Artifício
bastante usado nos discursos políticos, a retórica é um dos
instrumentos centrais na estratégia de argumentação. Dentro do
pensamento filosófico, Aristóteles estabeleceu os conceitos
fundamentais para convencer, persuadir e emocionar.
Talvez
isso possa parecer um tanto difícil, mas pense em um político que
você, leitor, julga ser habilidoso. Ok, pense no que o torna hábil:
é sua capacidade de descobrir o que determinada população precisa?
Ou seria a capacidade de propor soluções pertinentes e, de fato,
resolver esses problemas? Agora, pense em como esse político, essa
figura pública, atinge os seus eleitores, como ele chega até essas
pessoas. Em que pesem as novas tendências do marketing político
(Carreira
levada ao ápice ao longo da década de 1990, o marketing político
já é de conhecimento mesmo do público que não é militante. Além
disso, no entanto, há os bastidores. No filme "Recontagem",
protagonizado por Kevin Spacey, a alta cúpula decide com ações de
marketing de guerrilha quais são as estratégias que devem ser
tomadas para vencer as eleições para a presidência em 2000)
e os últimos avanços tecnológicos, esse político - velho ou moço,
homem ou mulher, caucasiano ou afrodescendente - consegue alcançar o
seu alvo com algo tão simples quanto elementar: os políticos usam
as palavras.
Que
os políticos gostam de falar (e realmente precisam falar) todos
sabem; o que poucos têm noção é que, na maioria das vezes, as
palavras que são ditas nos discursos políticos não são jogadas a
esmo, mas, ao contrário, exaustivamente pensadas, estudadas e
ensaiadas. A essa "arte-técnica" da oratória dá-se o
nome de retórica. E, diferentemente do que se imagina, a retórica
não é um recurso criado pelo marketing eleitoral.
Aristóteles
tem um livro que, infelizmente, não faz parte do catálogo editorial
brasileiro, mas nem por isso deixa de ser fundamental. Em "Retórica",
o filósofo grego analisa com precisão os elementos que constituem
um discurso. A leitura do livro mostra que alguns conceitos tidos
hoje como inovadores já eram analisados pelo pensador, como o fato
de a retórica ser dividida em três tipos: a política (ou
deliberativa); a forense (ou legal); e o epidíctico (ou a oratória
que censura ou louva um determinado elemento, aspecto, personagem).
No
caso da retórica deliberativa, Aristóteles teoriza que a maneira
mais importante e efetiva para obter sucesso em persuadir o
eleitorado e dissertar sobre as coisas públicas é entender
profundamente as formas de governo, assim como seus costumes, suas
instituições e seus interesses. Isso porque, argumenta Aristóteles,
"os homens são convencidos por considerações de seus
interesses; e seu interesse está baseado na manutenção da ordem
estabelecida".
A
discussão mais comum, hoje em dia, gira em torno da chamada retórica
de Perelman (Filósofo
do direito, o polonês Chaim
Perelman
(foto acima) observou que as áreas da Filosofia, do Direito e da
História se estabeleciam utilizando a retórica como instrumento
elementar. No site do Programa Especial de Treinamento em Ciências
Jurídicas, há mais informações a respeito. Disponível em:
http://
www.puc-rio.br/sobrepuc/ depto/direito/pet_jur/ c1mmeyer.html),
que tirou seus exemplos de discursos filosóficos e políticos, entre
outros. Devido a isso ele assume o caráter de convencimento que a
retórica proporciona aos discursos dos oradores. "Eu diria que
a retórica se configura por um conjunto de estratégias linguísticas
que visam à persuasão por meio da comoção", opina a
professora e doutoranda em Linguística pela Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), Suzana Leite Cortez. João Bôsco Cabral dos
Santos, doutor em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), explica melhor: "o orador chama atenção
construindo uma imagem que espelhe aquilo que seus ouvintes gostariam
de ouvir. A gesticulação e a forma como se aproxima, toca e fala
com as pessoas têm que estar em sintonia com a forma como as
palavras são ditas e como esse orador direciona seu olhar".
Para João Bôsco dos Santos, "nos dizeres políticos é preciso
falar o que o outro quer ouvir de si, como se fosse o outro dizendo
para si mesmo".
No
maior dos dicionários da língua portuguesa, o Houaiss (Ed.
Objetiva), a palavra "retórica" recebe significado de: "1.
a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; 2. emprego de
procedimentos enfáticos e pomposos para persuadir ou por exibição;
discurso bombástico, enfático, ornamentado e vazio; 3. discussão
inútil; debate em torno de coisas vãs" - sendo os dois últimos
indicados como de uso pejorativo.
Se
todos esses significados, para o bem ou para o mal, fazem parte da
política, fica fácil dizer que a "retórica é intrínseca à
arte da política". E essas são as palavras do professor e
doutor em História Econômica, Fábio Duarte Joly, da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Segundo Joly, "sendo a
política um exercício do convencimento com o intuito a se chegar a
um consenso, a retórica joga nela um papel fundamental".
O
eleito
Quanto
a esse último item, como não pensar no presidente dos Estados
Unidos, eleito no fim de 2008, Barack Obama? "Yes, we can"
foi o mote que fez história, que realmente moveu multidões às
urnas. "Ele sensibilizou seus eleitores, utilizando o que
denominamos uma retórica da redenção redimida: creiam-me, erramos,
mas somos fortes, os melhores, sempre", sentencia Bôsco. Já
para o cronista português, José Manuel dos Santos, ouvir Obama "é
voltar a ler a Retórica de Aristóteles. Ele convence porque
argumenta (logos),
porque emociona (pathos)
e porque há um 'eu' que diz 'vós' e é reconhecido (ethos)".
Logos, Ethos e Pathos são as três principais formas de persuadir a
audiência/ público/leitores. Logos é o apelo utilizado à razão;
pathos é o voltado às emoções; e ethos é aquele calcado na
reputação de quem se pronuncia.
A
parceria entre Obama e seu jovem redator de discursos de 27 anos, Jon
Favreau, certamente funcionou melhor do que o esperado. Favs, como é
conhecido, tornou-se um especialista na escrita do próprio
presidente e entre os discursos deste escondem-se
inúmeras palavras redigidas ou editadas pelo chamado prodígio.
Preparando
um discurso
A
preparação de um discurso requer inúmeros cuidados, principalmente
porque suas variações dependerão dos resultados que o orador
pretende obter e do público ao qual ele irá se dirigir, como
adverte Joly. "A emoção, a necessidade de tocar fundo os atos
humanos, é uma característica marcante", enumera Cortez.
Mesmo
com essas subjetividades, de acordo com Bôsco, é possível elaborar
uma lista das principais características de um discurso retórico,
que deve:
- Remeter a uma crença das pessoas do auditório;
- Fabular imagens
de realização de quem o escuta;
-Conter dizeres que enganam porque persuadem por sua verossimilhança com um real possível;
-Conter dizeres que enganam porque persuadem por sua verossimilhança com um real possível;
- Produzir efeitos de espelhamento do outro naquele que escuta;
- Legitimar memórias, desejos imaginários, valores de verdade;
- Fomentar a capacidade de um ser de sentir-se realizado;
- Conter
dizeres que deixam escapar vestígios da imaginação de quem ouve,
que revelam seus saberes;
- Provocar no ouvinte sensações de
poder.
A
propósito, muito se fala em torno das habilidades oratórias do
presidente dos EUA, mas esquece-se de que o Brasil tem um presidente
- considerado por alguns um demagogo - que também tem o dom da
palavra. Nesse caso, ficam claras, portanto, as diferentes maneiras
de se apoderar da retórica. Em seus discursos, o presidente Lula se
preocupa em utilizar um recurso que, na opinião de Bôsco, é
voltado para conquistar os que fazem questão de rejeitá-lo, mas só
consegue aumentar o apreço dos que o amam e "fomenta, ainda
mais, o recalque de uma sociedade de uma social democracia falida,
calcada na força disciplinarizante de instituições reguladoras",
brada o professor. À sua maneira, Cortez prefere indicar o uso de
expressões populares, "como uma forma de estar mais próximo do
grande público".
Usar
ou não usar? Eis a questão
Duas
coisas podem acontecer àqueles que decidem realmente usar a arte de
bem argumentar em seus dizeres. Podem receber grandes elogios sobre
as performances utilizadas ou pelas belas e sábias palavras - mas,
nesse caso, o elogio seria mais bem aplicado se dirigido aos ghost
writers
por trás dos discursos -, ou críticas ferrenhas atacando-os,
acusando-os de fazer logomaquias por meio de happenings
bizarros
((Entre
acontecimentos dignos de nota vale a pena recordar a performance do
ex-deputado federal Roberto Jefferson durante um depoimento na
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o escândalo dos
correios. Naquela ocasião, o político atraiu a atenção usando
artimanhas específicas de retórica, como se vê no link a seguir:
http://www.youtube.
com/watch?v= OkhaxJOI5Ss&NR=1)
a e exagerados que transformam a política, por exemplo, em uma
técnica para única e exclusivamente conquistar o poder. "A
retórica desprovida de qualquer estudo científico é comumente
vista como discurso 'floreado'. Daí podemos falar em algo
pejorativo", arrisca Cortez. Como foi dito anteriormente por
Joly - que também é o organizador da obra "História e
Retórica: ensaios sobre historiografia antiga" (Ed. Alameda) -,
Bôsco concorda que a retórica sempre fez parte da política e
afirma que "a política sempre foi constituinte, constitutiva e
constituída pela retórica".
"O
ser humano sempre teve necessidade de fazer valer suas opiniões",
completa Cortez, que coloca, além disso, que o uso da retórica tem
bases culturais e se diferencia conforme mudam as habilidades de
orador para orador e os entornos sociais (Os artifícios da retórica
necessitam respeitar o contexto da audiência. De nada adianta, por
exemplo, apresentar uma fala rebuscada para um público que não
partilha do mesmo código de compreensão de quem transmite a
mensagem. Nesse sentido, cabe ao político - caso se trate de um
político - analisar se as metáforas cabem e se serão bem aceitas
dentro daquele cenário. Talvez por esse motivo, a mensagem central é
sempre a mais simples. Tome-se como exemplo o fato de Lula e Barack
Obama terem feito uso, em 2002 e 2008 respectivamente, menção à
ideia de "mudança"). O que difere seu uso atual com o de
tempos anteriores é que hoje ela funciona como um ponto de tensão
"da competição entre marqueteiros", indica Bôsco.
"Outrora a retórica era sempre apagada dos dizeres políticos
porque soava como dizeres de uma égide proselitista, demagógica",
ele compara. Atualmente, é como se os oradores fizessem parte de um
"campeonato de força ilocucionária". A professora Suzana
discorda dessa mudança. Para ela, são os "sujeitos que fazem
parte da política" que podem mudar as formas de discursar, e
não o contrário.
Do
fim ao princípio
De
volta ao político imaginado no início deste texto, é preciso saber
que ele está sujeito aos desvios que a sensação do poder pode
proporcionar. Todavia, se ele é lembrado por suas habilidades
oratórias, isso pode ser considerado algo bom. Retornando às
palavras do cronista português, "a reanimação de um verbo
político inanimado é o início de um início. Porque a dignidade da
política começa na dignidade da palavra que a diz".
Para
Joly, mesmo que o senso comum ligue retórica à enganação, se as
pessoas souberem avaliar os discursos políticos tendo em vista sua
construção retórica, elas terão meios suficientes para analisar
melhor um determinado político. Dessa forma, torna-se óbvio dizer
que a retórica por si só não é boa ou má. Bons ou maus são
aqueles que se utilizam dessa arte com, ou sem, suas próprias noções
de integridade.
Fonte:
Conhecimento Prático Filosofia, Isabella Meneses.