terça-feira, 29 de maio de 2012


A aprovação pelo parlamento holandês da eutanásia está provocando acaloradas discussões também entre nós. A questão é polêmica e permite múltiplas posições. Queremos apresentar uma das posições, compartilhada por significativo grupo de teólogos cristãos. Embora não gozem de unanimidade, representam uma contribuição a ser considerada.
Há de se partir do fato de que a morte pertence à vida. E a vida pertence à eternidade que é a realização plena das virtualidades da vida. Como somos responsáveis pela nossa vida assim devemos ser responsáveis também pela nossa morte.
Temos direito a uma vida digna e também o direito de uma morte digna. Esse direito muitas vezes nos é negado pelo fato de sermos obrigados a ficar atrelados a aparelhos e a medicamentos que nos prolongam a vida no sentido meramente vegetativo (chamamos a isso distanásia), o que é insuficiente para a integralidade da vida minimamente humana.
A vida como auto-organização da matéria comparece como o fruto mais elevado da evolução e, numa perspectiva espiritual, representa o maior dom de Deus. Mesmo assim, como seres éticos, somos responsáveis pelo começo da vida e também responsáveis pelo fim da vida.
Outrora, as Igrejas relutavam em acolher o planejamento familiar, pois imaginavam, erroneamente, que seria interferir no desígnio de Deus de introduzir vidas no mundo. Hoje, as mesmas igrejas ensinam o planejamento familiar responsável. Ensinam, outrossim, que todo ser humano tem o direito de morrer humanamente. Cabe ao próprio ser humano, mortalmente doente, decidir de forma qualificada sobre o prolongamento ou não de seu estado irreversível. Na sua impossibilidade, ocupam o seu lugar os familiares e os médicos.
Isso implica que o médico fará tudo para curar o paciente e proporcionar os remédios para aliviar-lhe a dor. Não significa que deva recorrer a tratamentos extraordinários para prolongar a vida ou postergar a morte, sobretudo, em situações limite. Uma terapia só tem sentido quando se ordena à reabilitação e à restituição das funções essenciais e vitais e não simplesmente garantir uma vida vegetativa. Importa “deixar morrer”, o que não é a mesma coisa que “fazer morrer”.
O cuidado pelo doente não deve ser apenas coisa dos médicos e enfermeiros, mas também dos familiares, dos conselheiros espirituais (sacerdotes, pastores, rabinos, pais ou mães de santo etc) e dos amigos próximos.
Devem ser respeitadas as convicções e as crenças religiosas do paciente, especialmente ao sentido que dá à vida e à morte. Caso contrário, lhe fazemos violência, sempre, entretanto, no pressuposto de que a vida é o bem supremo em nome do qual nenhuma visão, ideologia ou convicção religiosa contrária, possa prevalecer.
Para o cristianismo - a religião da maioria do povo brasileiro - a morte não é um fim, mas um peregrinar para a Fonte originária de toda vida. Não é um diluir-se na poeira cósmica mas um cair nos braços do Pai e Mãe eternos que têm infinita saudade de seus filhos e filhas peregrinantes. Estamos sempre nascendo e com a morte acabamos de nascer. Destarte, a morte perde seu caráter de brutal interrupção do ciclo da vida para se transfigurar numa passagem bem aventurada para a plenitude da vida.
São Francisco, o primeiro depois do Único, morreu cantando, agradecendo a vida por tudo o que ela lhe proporcionara. Morrer é então fechar os olhos para ver melhor, como disse José Marti, o maior dos cubanos. Ver o sentido do universo e o nosso lugar no conjunto de todos os seres, carregados pelo Mistério no qual mergulharemos.
Tais visões ajudam a humanizar a morte e a desdramatizar os casos terminais. Pois não vivemos para morrer, como dizem os existencialistas, mas morremos para ressuscitar, para viver mais e melhor, como crêem os cristãos.
Fonte: www.leonardoboff.com